Estava observando este cartão-postal e veio a curiosidade em saber o que era este "Desvio Blauth" e se ele ainda existe.
A resposta é: o que mais existe é a memória do local. A funcionalidade e a materialidade se perderam.
Acredito que o cartão é um pouco anterior ao início do empreendimento ou seus primórdios. Pesquisei mais dois cartões que reproduzo onde o "Veraneio Desvio Blauth" já está em funcionamento.
Vamos para a história que é muito interessante.
Em Rio Grande se tem uma trajetória secular de turismo e hospedagem devido ao Balneário Cassino que foi inaugurado em 1890. São os banhos de mar medicinais com uma infraestrutura de hotel, trem, casas de aluguel e casas particulares, avenida etc. Como eu sempre repito: é o nascimento do banho de mar planificado no Brasil. Ou seja, foi idealizado em 1885, ainda no tempo do Império, e formalizado cinco anos depois, já no início da República. Não existia estrutura na área do Cassino/Vila Sequeira (chamado de Campos da Mangueira) e tudo foi planejado no papel e efetivado com a construção da estrada de ferro, do hotel Cassino, das casas do Quadro, de telefone, das casas de troca de roupa no beira-mar, água potável, coleta de dejetos, do Restaurante a beira mar, da construção da capela ainda no final do século XIX etc. Outros espaços de banho de mar surgiram no litoral Norte, como é o caso de Cidreira, mas com uma estrutura inicial extremamente precária e com acesso cruzando de carroça e cavalo picadas de difícil trânsito.
A imagem está no ângulo inverso dos dois outros cartões postais. https://www.bvcolecionismo.lel.br/ |
Nesta direção a história do Desvio Blauth atraiu a minha atenção, pois foi um projeto de veraneio e hospedagem "pioneiro" na Serra Gaúcha. É o que consta no artigo de Pedro de Alcântara César, Luiz Brambatti e Thaise Marchesine "O papel da ferrovia na definição do território turístico e da hospitalidade: um estudo sobre o Hotel Veraneio Desvio Blauth (Farroupilha/RS)" publicado na Revista Turismo e Análise de dezembro de 2019.
Conforme os autores, entre 1905-1910 foi construída a ferrovia Montenegro a Caxias do Sul que passava pela propriedade da família Blauth (de origem germânica), em Nova Sardenha, Farroupilha. A linha foi inaugurada em junho de 1910. No local havia o abastecimento de água para a caldeira do trem e os passageiros com destino a Caxias do Sul passaram a apreciar a bela vista do local localizado a 710 metros de altura. A idealização de tornar a área em veraneio de lazer é de 1914 e o empreendimento teve início no final de 1920. A empresa foi registrada em 1932. O projeto foi finalizado em 1954 no contexto da decadência das linhas ferroviárias com o surgimento de uma rodovia federal que ligou a capital com Caxias do Sul deixando o local isolado. O automóvel e o ônibus trouxeram maior rapidez e agilidade para os viajantes.
Em seu período de funcionamento O "Veraneio Desvio Blauth" recebia descendentes de alemães e luso-brasileiros representantes da elite de Porto Alegre (e região metropolitana) que almejavam entre dezembro e março escapar do calor excessivo do verão e buscar locais para veraneio de lazer junto a natureza.
As instalações do local eram "constituídas inicialmente de quatro blocos edificados e de madeira, trilhas, atrativos naturais e um lago. A sede principal compreendia o refeitório, o escritório, a cozinha, uma pequena loja e a farmácia. Mais tarde, com o aumento dos hóspedes, foi construído um conjunto de nove chalés ou cabanas, onde eram hospedadas as famílias. Havia também alojamentos coletivos, o feminino, do lado da estação e o masculino, do outro lado dos trilhos. A estrutura de meios de hospedagem funcionava nos meses de dezembro até março e tinha a capacidade de pernoite para aproximadamente 100 pessoas. Salvo as diferenças de épocas, estes recursos determinavam a formação de equipamento turístico com todas as possibilidades de estada, lazer e recreação ininterrupto por meses, como atualmente determinam em hotéis de resorts".
A própria empresa difundiu a sua identidade em propaganda publicada em 1933: "Boas estradas, via férrea e telégrafo’, ‘comunicação rápida com todo o Estado’, ‘a sua localização, a 700 m acima do nível do mar, é um desses prodigiosos bens que a natureza pródiga proporcionou ao homem, colocando-o em meio da exuberância de nossas matas’. ‘O panorama desse Éden montenegrino oferece aos veranistas paisagem bizarra e de lindíssimos aspectos. Além dos parques de diversões abrigados nas verdes matas, possui jogos ao ar livre, como tênis, tamborim etc.’. ‘No grande salão de diversões existem também dois bilhares, luz elétrica. Ótima cozinha. Os seus proprietários também mantêm um aviário de Leghorn brancas, cuja produção e ovos destinam-se ao consumo dos veranistas. Para o mesmo fim, possuem tambos de leite. No local existe uma piscina e lago para o esporte do remo. A par de tudo isso, encontra-se na região, grande abundância de frutas de todas as espécies’. ‘O veraneio Desvio Blauth é incontestavelmente, o único do gênero em nosso Estado.’ ‘O estabelecimento dos Srs. Blauth & Haupt prima não só pelo conforto e higiene, como pela excelência de suas águas cristalinas’. ‘Para o Desvio Blauth afluem anualmente, centenas de pessoas, que ali vão em busca de repouso e da saúde" (Álbum comercial de Montenegro, 1933, Acervo pessoal de Ricardo Luiz Haupt).
Conforme os autores, o "Veraneio Desvio Blauth" representa um marco na história do turismo e dos meios de hospedagem na Serra Gaúcha e no Brasil. Formado para organizar um fluxo de turistas que intensificava suas vindas, suas estruturas físicas demarcaram um período pioneiro do hotel de lazer e iniciação a reprodução na Serra Gaúcha de territórios para o turismo".
Acervo: https://www.filatelicajunges.com.br/ |
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