Porto do Rio Grande em 1908

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quinta-feira, 5 de outubro de 2023

ENCHENTE NA LAGOA E A BARRA DO RIO GRANDE

 

Lagoa dos Patos no Cais do Mercado de Pescado em Rio Grande no dia 04-10-2023. 

Hoje, na aula de História do Município do Rio Grande e na aula de História do Rio Grande do Sul, conversamos sobre a questão da enchente da Lagoa dos Patos que está causando prejuízos para a população da cidade do Rio Grande e para São José do Norte. 

Conversamos sobre a perspectiva de superação deste momento e um recuo das águas da Lagoa dos Patos e opinei que vejo com preocupação o cenário. Os alunos brincaram que sou bom em prognósticos e costumo acertar algumas informações dadas: ao escrever o livro da Gripe Espanhola (2008) afirmei que seria uma questão de tempo para a eclosão de uma nova pandemia; antes da enchente da Lagoa dos Patos, que está em curso, contextualizei a alta probabilidade dela ocorrer neste segundo semestre de 2023; discuti que a posição geográfica do Rio Grande do Sul é propicia a intensificação de eventos extremos ligados ao aquecimento global. Porém, não há bola de cristal envolvida e nem profecias, somente muitas leituras de artigos científicos ou sites (como a da Metsul) que possibilitam trabalhar com a hipótese de um evento ou fenômeno ocorrer. E este ano é de El Niño Forte e para os gaúchos o resultado está sendo de um Super El Niño. 

O que há de especial com a localização geográfica de Rio Grande e São José do Norte? Os municípios se situam na parte terminal do Estuário da Lagoa dos Patos nas proximidades em que a Barra do Rio Grande despeja as águas no Oceano Atlântico. Se a Lagoa dos Patos chega a ter 70 km de largura -em alguns pontos ao longo dos seus 250 km de extensão-, ao chegar a parte terminal dos Molhes da Barra no encontro com o Oceano a largura se reduz para 600 metros.   

A nossa geografia é muito difícil de ser explicada sem olhar para um mapa ou para uma imagem de satélite como as disponíveis no Google Earth. Vejamos a seguir qual é o nosso cenário geral que vai depender de volume das águas, da velocidade da correnteza, dos ventos que fazem o represamento etc. 

1)Inicialmente, na altura do Bojuru, a largura da Lagoa dos Patos é de 52 quilômetros e 800 metros. No centro superior da imagem está os Molhes da Barra e já podemos observar a diferença brutal de largura. 

https://earth.google.com/web/search/Molhes+da+Barra+do+Cassino,+Rio+Grande+do+Sul/

2)Entre o pontal na Quarta Secção da Barra (em São José do Norte) e a Barra Nova (em Rio Grande) são apenas 865 metros de largura.

https://earth.google.com/web/search/Molhes+da+Barra+do+Cassino,+Rio+Grande+do+Sul/

3)Entre os dois cabeços dos Molhes Leste e Oeste em seu ponto de encontro com o Oceano, a largura se reduz para apenas 600 metros.

https://earth.google.com/web/search/Molhes+da+Barra+do+Cassino,+Rio+Grande+do+Sul/

De onde a Lagoa dos Patos recebe tamanho volume de águas? No Rio Grande do Sul os rios que desaguam no Atlântico alimentam o Lago Guaíba e se juntam com a Lagoa dos Patos. Os rios principais e suas bacias hidrográficas são: Antas/Taquari, Pardo, Jacuí, Vacacaí/Vacacaí-Mirim, Caí, Sinos, Gravataí, Camaquã, Jaguarão, Piratini e Canal São Gonçalo. 


Região Hidrográfica da Lagoa dos Patos (em verde e marrom). Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do RS (SEMA).

A precipitação de chuvas nestas bacias hidrográficas vão alimentar a Lagoa dos Patos e o escoamento - que evita o transbordamento das margens -, é feito pela Barra do Rio Grande, onde estão localizados Rio Grande e São José do Norte! 

As chuvas no mês de setembro em Rio Grande foram de 466,4 mm (a média mensal de setembro é de 110 mm). Em vários municípios destas bacias hidrográficas as chuvas superaram estas marcas. Peguemos o exemplo de Caçapava do Sul onde choveu 680,6 mm e às águas rumaram para a bacia hidrográfica do Rio Camaquã e na sequência foram despejadas na... Lagoa dos Patos. Porto Alegre teve o mês de setembro mais chuvoso já registrado em dados históricos com 447,3 mm. Continuamos a receber estes volumes absurdos das precipitações em vários municípios gaúchos que escoam para o Atlântico.

No dia 4 de outubro altos volumes de chuva foram registrados em municípios que vão impactar o Guaíba e a Lagoa dos Patos. A previsão do tempo entre 6 a 8 de outubro é de alerta. Não para a Metade Sul onde a chuva deve ser mínima, mas para o Norte, Noroeste e Nordeste do Rio Grande do Sul. Parte das precipitações levarão a enchentes no Rio Uruguai (cujas águas contribuem para a formação do Rio da Prata), porém, outras áreas com chuvas extremas tomarão o rumo do Guaíba e na sequência da Lagoa dos Patos. Portanto, os eventos de chuvas em outubro sequer ainda chegaram até a Barra do Rio Grande. 

Vejamos o alerta da Metsul para os próximos dias: 
"Onde mais deve chover no Rio Grande do Sul entre esta sexta e domingo será em cidades do Noroeste, do Médio e Alto Uruguai, Planalto Médio, Norte da Serra, Campos de Cima da Serra e balneários da costa perto de Torres, aponta a projeção da MetSul Meteorologia. De acordo com o prognóstico da MetSul, nestas áreas, um grande número de municípios deve ter chuva de 100 mm a 200 mm com marcas isoladamente acima de 200 mm. São volumes muito altos e capazes de gerar alagamentos, inundações e quedas de barreiras. Preocupa que estes volumes, que se somam aos 50 mm a 100 mm do começo da semana nestas mesmas áreas, vão atingir as nascentes de rios como Caí e Taquari, nos Campos de Cima da Serra, e o Jacuí, cuja nascente está na região de Passo Fundo. Os três rios desembocam depois no Guaíba".

Mantendo este cenário que está ficando cada vez mais desafiador, precisaremos de um plano de contingenciamento para lidar com esta situação. Em São José do Norte as chuvas excessivas estão causando graves prejuízos na agricultura, em especial, no plantio da cebola. A expectativa da safra de camarão é péssima pois o excesso de chuva é prejudicial a reprodução do crustáceo. Parte da população trabalha com a cebola ou é pescador artesanal. O impacto socioeconômico será muito grave. O mesmo vale para as áreas produtoras de legumes, verduras e frutas em Rio Grande cuja região das ilhas está sofrendo com o avanço das águas. A pesca artesanal já está muito prejudicada com a elevação das águas.  Se a água avançar muito mais também na área urbana será necessário realocar pessoas. Depois da tragédia do Rio Taquari é preciso fazer planos de prevenção hipotéticos para poder lidar com situações que podem se agravar em poucas horas ou dias. 

Se o dilúvio atual continuar pelo mês de outubro e novembro o cenário que pesquisei em meu livro sobre a enchente de 1941 poderia se repetir parcialmente. Um referencial que temos em Rio Grande - sobre a gravidade dos eventos -, é observar o comportamento do Guaíba em Porto Alegre. Em 8 de maio de 1941 a altura da água chegou a 4,76 metros (a cota de transbordamento no cais é de 3,00 metros). De 272 mil habitantes de Porto Alegre, 70 mil ficaram desabrigados. Ou seja, um de cada quatro moradores. Num cenário "ficcional" semelhante, em Rio Grande poderíamos ter 50 mil desabrigados. A lógica destes números é que muitas áreas desabitadas em Rio Grande no ano de 1941, onde a Lagoa avançou mais de 100 metros, hoje estão repletas de áreas habitacionais como na Av. Henrique Pancada, no Bosque, a longa extensão em torno do Saco da Mangueira etc.

Acompanhar os dados do tempo é essencial neste mês de outubro (e vindouros) para podermos avaliar a redução ou aumento dos riscos da Lagoa dos Patos continuar a avançar nas áreas urbana e rural de Rio Grande e São José do Norte. 

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