Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
Aleatoriamente, encontrei, este documento numa gaveta da Biblioteca Rio-Grandense. Tenho o hábito de quando encerro a pesquisa em jornal abro uma gaveta para respirar outros ares intelectuais. Não resisti ao olhar para uma gaveta com o número 521 e encontrei esta preciosidade em seu interior.
O autor da monografia é José Justiniano Proença Brochado uma referência na Arqueologia e Antropologia do Rio Grande do Sul. Muito aprendi com ele sobre culturas ceramistas.
A surpresa foi encontrar a dedicatória à Biblioteca Rio-Grandense e a assinatura do renomado arqueólogo. A data é 27 de fevereiro de 1963. Ou seja, hoje completam 60 anos.
Encontrei o documento no dia 24 de fevereiro. Portanto, há 3 dias de completar seis décadas da assinatura. É como se fosse uma sugestão para lembrar da atuação deste pesquisador, natural da cidade do Rio Grande e frequentador da Biblioteca, que tive a felicidade de conhecer. E que por detalhes não foi o orientador de minha dissertação de Mestrado.
No livro Os Ceramistas Tupiguaranis: sínteses regionais, editado por André Prous & Tania Andrade Lima, um capítulo foi dedicado a José Justiniano pelo arqueólogo Francisco Silva Noelli.
Alguns trechos desta biografia elaborada por Noelli são reproduzidos a seguir:
"Brochado nasceu na cidade de Rio Grande, estado do Rio Grande do Sul, em 7 de março de 1936. Iniciou na
Arqueologia por acaso, em 1958, como amador, integrando o Centro Excursionista Rondon, fundado em 1942 por
jovens estudantes do Colégio Estadual Lemos Jr. para explorar a bela e arenosa região de Rio Grande (Brochado, 1962,
1969c; Almeida, 1993). Além de ter companheiros interessados no passado indígena e de viver num município com
rico patrimônio arqueológico (atualmente com 105 sítios registrados), Brochado frequentava assiduamente a Biblioteca
Riograndense, instituição com grande acervo de livros e periódicos sobre Arqueologia e Etnologia publicados do final
do século 19 aos meados do século 20 (onde também leu Literatura e História Grega e Romana em inglês, francês,
espanhol e italiano desde jovem).
Ao ingressar na universidade, Brochado já era servidor público federal, datilógrafo do Departamento Nacional de
Portos e Vias Navegáveis (DNPV), onde trabalhou dos 20 aos 29 anos. Nesse período, como autodidata em busca de
subsídios científicos para suas atividades amadoras, leu na Biblioteca Riograndense obras de Arqueologia e Etnologia
sobre o Brasil, Argentina e Uruguai e outros lugares, com foco direcionado para a Região Sul do Brasil. O resultado
das leituras apareceu na monografia Arqueologia descritiva das jazidas páleo-etnográficas da Região Sul do Brasil,
concluída em 1961 e impressa no ano seguinte, em edição limitada, pela Faculdade Católica Sul-Riograndense de
Pelotas, atual PUC de Pelotas (Brochado, 1962).
Em 1960, ingressou no curso de História da Faculdade Católica de Pelotas, mantendo seu trabalho no DNPV e viajando 100 km diariamente para estudar. No início de 1962 foi para Porto Alegre, ingressando na Universidade do
Rio Grande do Sul, atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para continuar a graduação, e transferindo-se
para o escritório do DNPV na capital gaúcha, onde trabalhou até 1967. A experiência de campo e o conhecimento
da bibliografia, aliadas a uma eloquência erudita e descontraída, atraíram a atenção do jovem catedrático, então um
arqueólogo amador em via de profissionalização, Pedro Inácio Schmitz, que promoveu Brochado, ainda graduando, a
instrutor de ensino da cátedra de Etnologia.
(...)
A vida acadêmica de Brochado teve três fases importantes. Primeiro temos a transição da prática amadora para
a formação acadêmica. O amador autodidata que elaborou uma monografia supreendente, se comparada aos textos
brasileiros publicados no começo da década de 1960, que mudou de cidade em busca de uma formação melhor e
acaba aceito pelo jovem catedrático e passa a lecionar na melhor instituição da sua região. A seguir a possibilidade
de ir mais adiante, com a oferta de uma posição como pesquisador de um grande projeto liderado por dois eminentes
arqueólogos, na melhor oportunidade de pesquisa da época. Depois, mudando novamente o rumo, passando a
pesquisar e militar no campo do “adversário”, em um momento em que a polarização marcava a vida acadêmica e
política no Brasil.
As mudanças intelectuais, totalmente gravadas nas suas publicações, são a demonstração da mais genuína
vocação científica, da contínua busca pelo aperfeiçoamento, da marca indelével de um pesquisador de ponta.
O seu maior feito foi transcender o contexto paroquial que dominava o meio acadêmico brasileiro nas décadas
de 70 e 80, deixando fluir para o texto uma série de hipóteses e teorias à frente do seu tempo, à margem das
perspectivas dominantes. Brochado teve o mérito de rever e reordenar o que já existia, de propor um novo quadro
orgânico para os processos que resultaram nas sociedades ceramistas do leste da América do Sul, e de introduzir
uma perspectiva que procurava os meios para estabelecer a continuidade entre os contextos arqueológicos e
culturais. Mesmo que novas pesquisas modifiquem profundamente suas proposições, com requer o avanço da
Ciência, Brochado entra para a História da Arqueologia como uma personagem que elaborou uma sólida teoria
do processo de ocupação do leste da América do Sul pelas sociedades ceramistas, e que contribuiu decisivamente
para o desenvolvimento de métodos para a compreensão dos estilos tecnológicos e da funcionalidade das
cerâmicas Guarani e Tupinambá. Estes dois feitos, dentre os vários temas que ele pesquisou e obteve resultados
em sua longa carreira, deixariam qualquer arqueólogo profissional com o sentimento do dever cumprido".
Endereço de acesso ao livro:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/os_ceramistas_tupiguarani_vol1_sinteses_regionais.pdf
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