Percy Shelley em 1819. Pintura de Amelia Curran. Acervo: National Portrait Gallery. |
Percy B. Shelley (1792-1822) é um dos maiores nomes do romantismo inglês. Um de seus momentos marcantes é o poema "Ode ao Vento Oeste" publicado em 1819.
Como estamos no outono, próximos a entrada do inverno e com o olhar já buscando a primavera (como a esperança de um alívio na pandemia...), acredito que a leitura de Shelley tem elementos de identidade contemporânea com a busca de potência e de superação das limitações.
ODE AO VENTO OESTE
I
Selvagem Vento Oeste, ó tu, sopro do outono,
Invisível presença de que as folhas mortas
Fogem como fantasmas diante de algum bruxo,
Pálidas, amarelas, pretas ou vermelhas
De febre, pestilentas multidões; ó tu
Que as sementes aladas levas ao seu leito
De inverno, onde repousam frias e prostradas,
Como cadáveres nos túmulos, até
Que a tua irmã azul da primavera toque
O clarim sobre a terra sonhadora e encha
De cores e perfumes a planície e os montes,
Levando aos pastos do ar rebanhos de botões;
Espírito selvagem que por toda a parte
Te moves; destruidor e salvador, oh escuta!
II
Tu em cuja corrente, em meio à agitação
Do íngreme céu, as nuvens caem como folhas
Desses confusos ramos – Firmamento e Mar -,
Anjos da chuva e do relâmpago, as madeixas
Da tempestade que está vindo se derramam
Na superfície azul de tua vaga aérea,
Desde a fímbria sombria do horizonte ao zênite,
Como o cabelo erguido, a rebrilhar, da fronte
Da Mênade bravia, Tu, cântico fúnebre
Do ano que está morrendo, para o qual esta última
Noite será o domo de um sepulcro enorme,
Abobadado com a força congregada
De teus vapores: atmosfera espessa de onde
Chuva, fogo e granizo saltarão: oh, escuta!
III
Tu que acordaste de seus sonhos de verão
O azul Mediterrâneo, onde este era embalado
Pelo rumor de suas correntes de cristal,
Na angra de Baía, ao pé de ilhas de pedra-pomes,
E via em sonho velhas torres e palácios
No dia mais intenso da onda estremecerem,
Recobertos de musgo azul e de tão doces
Flores, que desmaiamos ao pensarmos nelas!
Tu, a cuja passagem se abrem em abismos
As planícies atlânticas, enquanto embaixo
As flores submarinas e os limosos caules
De folhagem sem seiva a voz te reconhecem
E de repente empalidecem de pavor
E tremem e despojam-se de todo: oh escuta!
IV
Se eu fosse alguma folha morta, que levasses;
Se eu fosse a nuvem célere a voar contigo;
Uma onda ofegando sob o teu poder
E partilhando o impulso dessa tua força,
Só menos livre do que tu, ó indomável!
Se eu fosse igual ao que já fui na meninice,
O companheiro dessas fugas pelo céu,
Quando vencer tua celeste rapidez
Em nada parecia um sonho; eu não teria
Lutado assim contigo, a suplicar aflito.
Como se eu fosse onda, nuvem, folha, oh ergue-me!
Nos espinhos da vida eu caio! Estou sangrando!
Um grave fardo de horas encadeou e verga
Alguém igual a ti: rápido, altivo, indômito.
V
Tua lira é a floresta, e que eu também o seja;
Ser como as dela as minhas folhas caem, que importa!
O tumulto de tuas fortes harmonias
Tirará de nós dois profundo som de outono,
Doce mas triste. Faze-te, bravio espírito,
O meu espírito! Ó impetuoso, sê eu próprio!
Leva meus pensamentos mortos pelo mundo,
Quais folhas murchas, e haverá um renascimento!
E, pela força encantatória destes versos,
Espalha a minha voz por entre a humanidade,
Como cinzas e chispas de lareira acesa!
Para a terra que dorme, sê, com estes lábios,
Oh! a trombeta de uma profecia! Vento,
Se chega o inverno, estará longe a primavera?
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