Recebi pelo Correio e imediatamente fiz a leitura da HQ "Revolta da Vacina" (DINIZ, André. DarkSide, capa dura, p & b, 16 cm x 23 cm, p. 176, março de 2021.
Leitura fluente e que segura o leitor em sua trama. O fio condutor é o personagem cearense Zelito que almeja ser caricaturista e tenta a sorte no Rio de Janeiro. O momento histórico é das grandes reformas urbanas que buscam higienizar o centro da capital da República, promovendo a demolição dos cortiços que ocupavam esta área. O projeto civilizatório se espelha na urbanidade europeia e também tenta atingir um dos maiores problemas do Rio de Janeiro: as doenças endêmicas que ceifavam milhares de vidas anualmente. Varíola, peste bubônica, gripe, febres, dengue, febre amarela etc, conviviam com a população no cenário de higiene precária.
A radical reforma urbana foi acompanhada de uma radical reforma sanitária, encabeçada por Osvaldo Cruz. Entre as bandeiras do sanitarista estava a vacinação em massa da população. Por fatores culturais, sociais e interesses políticos, ocorreu uma resistência a obrigatoriedade da vacina e o decorrente enfrentamento do povo e da polícia nas ruas do Rio. De 10 a 18 de novembro de 1904 ocorreram confrontos que resultaram em três dezenas de mortos e 110 feridos.
O tema é contemporâneo e melindroso: a HQ apoia as medidas sanitaristas e o papel da vacinação mas também busca raízes sociais para defender a resistência popular.
A Revolta da Vacina é um paradoxo historiográfico pois de um lado o "povo sempre tem as sua razões e o direito à resistência". De outro, o saber médico-higienista propiciaria melhores condições de saúde para esta população e a higienização de espaços urbanos insalubres era necessária.
Uma razão destituída de crítica pode ser um ótimo combustível para alimentar as pestes e febres intermitentes que assolavam o Rio.
Mais de um século depois da Revolta da Vacina estamos diante do dilema da vacinação contra o corona vírus. Obrigatoriedade ou adesão voluntária é uma discussão que ainda está sendo traçada. Vários fatores para aceitação ou resistência tem sido lançados na internet. A grande mídia nem levanta esta discussão e certamente não traria a pauta da Revolta da Vacina sem desfigurar completamente a sua feição de resistência.
Em nível político, a vacina já se tornou pauta de palanque eleitoral. Em 1904 foi fator para tentativa de golpe contra o Presidente Rodrigues Alves.
A HQ é irresistivelmente reflexiva frente a este tema que está apenas começando a ser tratado no Brasil devido a apenas os muito idosos estarem recendo a vacinação. Qual será a reação de outra faixas etárias? A adesão será suficiente para deter a replicação do vírus assassino?
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