Porto do Rio Grande em 1908

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sábado, 9 de janeiro de 2021

O CORONA E O GENE EGOÍSTA

Transporte de caixões com mortos da gripe espanhola. Revista Fon-Fon, 23-11-1918. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 

 
O novo corona vírus tem um comportamento diferente do vírus da gripe espanhola de 1918: ele é muito sádico!

Ele não tem pressa para contaminar e vai matando aos poucos: é mais letal a partir dos 50/60 anos e trabalha nas comorbidades. O vírus da gripe espanhola (H1N1) era muito contagioso e muito letal na faixa etária dos 0 aos 28 anos. Não tinha preconceito com qualquer faixa etária ou gênero mas tinha uma dificuldade maior em se reproduzir naqueles que criaram anticorpos com a gripe russa de 1890. 

Um exemplo está em Rio Grande onde a gripe espanhola matou 600 pessoas e deixou pelo menos 22 mil doentes. A população em 1918 era de 44 mil habitantes e o vírus atuou por cerca de 3 meses. Chegou arrasando em outubro e desapareceu, em termos significativos, nos primórdios de 1919.  

Numa proporção entre o corona e a gripe, significa que o corona em apenas três meses teria causado cerca de 3.000 óbitos em Rio Grande. De fato, depois de quase um ano da presença do corona, os óbitos na cidade são em conta-gotas e com acelerações pontuais. Aí está a dimensão sádica: ele não tem pressa e trabalha nos descuidos com o distanciamento, nas aglomerações, nos descasos cotidianos, ou seja, no mundo real que nos deparamos no dia-a-dia da nossa urbe. Em outras cidades do Brasil os cuidados estão sendo tão diferentes?

Trem levando caixões com mortos da gripe em São Paulo. Revista Fon-Fon 23-11-1918. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 

Este longo tempo pandêmico leva a um cansaço e também a flexibilização dos cuidados. O tempo é inimigo dos humanos e amigo dos vírus. O cansaço ou desleixo de um é a supremacia do outro. E o tempo traz a produção dos mitos sobre a doença e especialmente a banalização da epidemia e das mortes.     

Hoje, o mito criado pelos jovens é de que estão imunes à letalidade deste mórbus reinante. Mas serão imunes a possíveis danos deixados pelo vírus em órgãos do corpo? Somente o tempo dirá. 

Estão psiquicamente imunes aos resultados devastadores da transmissão para pessoas com comorbidades ou idosos? Será que um ego bem alimentado vale mais do que mil palavras de conscientização? 

Se o vírus é uma fantasia a ser ignorada, será que a aritmética também está equivocada: oficialmente (que é uma sub-notificação como se observou na mortalidade da Rússia), já são quase 2 milhões de mortos e 90 milhões de casos confirmados.    

A esperança hoje esta lançada nas vacinas ou viveremos um ciclo contínuo de descontinuidades do cotidiano e de apreensões psíquicas e/ na economia que gera os empregos. A vacinação não pode tardar devido as mutações deste vírus. Uma mutação com alta virulência e alta letalidade seria um cenário devastador. Quanto mais tempo o corona convive em muitos hospedeiros mais buscará a fórmula perfeita dos cavaleiros do apocalipse! 

Uma reflexão mais ampla que faço desta epidemia é em nível paradigmático: ela expressa um teste global de comportamentos sociais que contrapõem o Ocidente e o Oriente. O comportamento ocidental e os prejuízos financeiros e humanos até agora contraídos evidenciam um fracasso civilizatório. Não me refiro ao sentido da técnica, do conhecimento e de alicerces civilizatórios: o fracasso reside na egolatria dos indivíduos e da necessidade mágica de manipulação dos seres e coisas a sua volta. A noção de individualidade transcende a noção de limite. O ponderável/razoável torna-se um algo distante que não satisfaz as necessidades imediatas do indivíduo. O gene egoísta é a essência das relações com o mundo. 

Na prática epidêmica começo a entender as reflexões de historiadores e teóricos frente a decadência do Ocidente...     

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