Richard McGuire, "Aqui". Capa comum: 296 páginas: Quadrinhos na Cia; Edição: 1 (24 de julho de 2017); Dimensões do produto: 24 x 16,8 x 3,6 cm. |
Para quem acredita que graphic novel não é
expressão artística a leitura de “Aqui” é obrigatória para vislumbrar outros
horizontes. Como transformar uma
ideia relativamente simples em uma reflexão profunda sobre o tempo, o espaço e
a cultura é o que foi feito em “Aqui”. Diga-se que o trabalho é um híbrido
entre graphic novel e arte conceitual, com várias histórias correndo
paralelamente na mesma espacialidade, mas em diferentes momentos temporais: 3
bilhões de anos no passado até o ano 2.314 d. C.
O autor é Richard McGuire que fez um curso de
quadrinhos com Art Spiegelman, autor de Maus, o qual publicou o trabalho do
aluno na revista Raw em 1989. Este trabalho se transformou posteriormente no livro/graphic
novel “Aqui”. Conforme explicitado na edição que consultei, “Aqui é uma
reflexão espetacular sobre o tempo e sobre como contar uma história – no caso,
a partir do mesmo cenário, da mesma perspectiva, enquanto o tempo, que vai e
volta, faz a trama acontecer (...) a obra implode qualquer ideia de causalidade
e linearidade narrativas, além de provar, de maneira extraordinária, que o
simples canto de uma sala pode conter o mundo e todas as suas histórias”
(Quadrinhos na Cia, 2017).
Conforme McGuire “o livro tem um início e um
fim, mas não um arco tradicional de história, é uma narrativa não linear. Não
tem um protagonista tradicional, o tempo em si é o protagonista. O que eu
esperava era criar o sentimento do tempo passado como se fosse um rio. Abrir o
livro em qualquer ponto é como entrar em um rio de experiência. Esse tipo de
vista simultânea do tempo é melhor expressa com quadrinhos”.
O livro me fez refletir sobre os sentidos do tempo. A linearidade entre o passado e o presente,
entre um suposto movimento temporal entre o antes e o depois, faz parte de uma
complexidade muito mais ampla em que sem a noção de construção cultural não
haveria consciência do espaço e tempo. Somos passageiros que vivem numa espacialidade
e temporalidade, dando sentido para a existência a partir de referenciais
culturais de suas sociedades e de seu universo psíquico fundado no inconsciente.
Segurança, afetividade, sobrevivência material para enfrentar o “processo do
não sentido” não são um dado pronto, mas uma construção psicossocial em que os
cenários que preenchem a nossa existência são momentos fugidios deste processo
de bilhões de anos de duração: processo cosmológico sem sentido último, sem
espacialidade eternizada, sem temporalidade padronizada, repleto de silêncios,
inconsciências e ocasos.
A história enquanto um ente racionalizável de fato se traduz numa
sequencia de cenários explicativos em que se constroem sentidos arbitrários e sequencias
entre o antes e o depois, entre o primitivo e o complexo, entre o tempo não
cultural e a cultura (capacidade de explicar, sistematizar, intervir na
natureza e a colocar a serviço da produção material da humanidade),
intelectualizando uma sequencia de etapas e conexões entre os primeiros
hominídeos e as múltiplas sociedades contemporâneas de homo sapiens.
Leitura recomendada e
indispensável para aqueles que acreditam que dependendo da qualidade da
abordagem nos quadrinhos é possível a construção de romances gráficos.
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