Porto do Rio Grande em 1908

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domingo, 22 de dezembro de 2019

GRAPHIC NOVEL - AQUI

Richard McGuire, "Aqui". Capa comum: 296 páginas: Quadrinhos na Cia;
Edição: 1 (24 de julho de 2017); Dimensões do produto: 24 x 16,8 x 3,6 cm.





Para quem acredita que graphic novel não é expressão artística a leitura de “Aqui” é obrigatória para vislumbrar outros horizontes. Como transformar uma ideia relativamente simples em uma reflexão profunda sobre o tempo, o espaço e a cultura é o que foi feito em “Aqui”. Diga-se que o trabalho é um híbrido entre graphic novel e arte conceitual, com várias histórias correndo paralelamente na mesma espacialidade, mas em diferentes momentos temporais: 3 bilhões de anos no passado até o ano 2.314 d. C.
O autor é Richard McGuire que fez um curso de quadrinhos com Art Spiegelman, autor de Maus, o qual publicou o trabalho do aluno na revista Raw em 1989. Este trabalho se transformou posteriormente no livro/graphic novel “Aqui”. Conforme explicitado na edição que consultei, “Aqui é uma reflexão espetacular sobre o tempo e sobre como contar uma história – no caso, a partir do mesmo cenário, da mesma perspectiva, enquanto o tempo, que vai e volta, faz a trama acontecer (...) a obra implode qualquer ideia de causalidade e linearidade narrativas, além de provar, de maneira extraordinária, que o simples canto de uma sala pode conter o mundo e todas as suas histórias” (Quadrinhos na Cia, 2017).  
Conforme McGuire “o livro tem um início e um fim, mas não um arco tradicional de história, é uma narrativa não linear. Não tem um protagonista tradicional, o tempo em si é o protagonista. O que eu esperava era criar o sentimento do tempo passado como se fosse um rio. Abrir o livro em qualquer ponto é como entrar em um rio de experiência. Esse tipo de vista simultânea do tempo é melhor expressa com quadrinhos”.
O livro me fez refletir sobre os sentidos do tempo. A linearidade entre o passado e o presente, entre um suposto movimento temporal entre o antes e o depois, faz parte de uma complexidade muito mais ampla em que sem a noção de construção cultural não haveria consciência do espaço e tempo. Somos passageiros que vivem numa espacialidade e temporalidade, dando sentido para a existência a partir de referenciais culturais de suas sociedades e de seu universo psíquico fundado no inconsciente. Segurança, afetividade, sobrevivência material para enfrentar o “processo do não sentido” não são um dado pronto, mas uma construção psicossocial em que os cenários que preenchem a nossa existência são momentos fugidios deste processo de bilhões de anos de duração: processo cosmológico sem sentido último, sem espacialidade eternizada, sem temporalidade padronizada, repleto de silêncios, inconsciências e ocasos.
A história enquanto um ente racionalizável de fato se traduz numa sequencia de cenários explicativos em que se constroem sentidos arbitrários e sequencias entre o antes e o depois, entre o primitivo e o complexo, entre o tempo não cultural e a cultura (capacidade de explicar, sistematizar, intervir na natureza e a colocar a serviço da produção material da humanidade), intelectualizando uma sequencia de etapas e conexões entre os primeiros hominídeos e as múltiplas sociedades contemporâneas de homo sapiens.  
      Leitura recomendada e indispensável para aqueles que acreditam que dependendo da qualidade da abordagem nos quadrinhos é possível a construção de romances gráficos.

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