“Desse modo, ele transformou o espectro que só aparecia à noite para sugar o sangue dos vivos num ser complexo e crível, que convivia em sociedade e viajava a seu bel-prazer, escolhendo suas vítimas em vários países. Além disso, o foco mudou do herói passivo para o vilão, que passou a desencadear a ação. A justaposição de detalhes de um realismo clínico (o vampiro sendo morto por balas comuns, os protagonistas entrando em depressão nervosa) com eventos fantásticos terminou por acentuar o clima sobrenatural. “The Vampyre” estabeleceu de uma vez por todas o protótipo para o vampiro da literatura, do teatro e posteriomente do cinema. Lord Rutheven foi, para o século XIX, aquilo que o Conde Drácula seria para o século XX” (ARGEL e MOURA NETO. O Vampiro antes de Drácula (2008:27-28).
Em “O Vampiro” (publicado em abril de 1819 no New Monthly Magazine) o enredo é constituído por Aubrey, um jovem inglês e Lord Ruthven, um homem de origens misteriosas que entrou na sociedade londrina. Aubrey acompanha Ruthven a Roma, mas a deixa depois deste seduzir a filha de um amigo em comum. Em viagem a Grécia, Aubrey escuta relatos sobre lendas vampíricas. A desconfiança em relação a quem é Ruthven vai aumentando frente às tragédias ou sofrimentos ocorridos em pessoas que se relacionaram com o aristocrata. O Lord passa a assediar a irmã de Aubrey, suga o seu sangue até a morte e desaparece. Audrey tem um colapso nervoso e morre. O vampiro triunfa e as resistências a ele são infecundas.
A ausência de punição e o triunfo do mal atingiu as sensibilidades mas deixou em aberto o retorno de um personagem perverso. Como Ruthven continua vivo surge uma versão apócrifa em 1820 inicialmente atribuída a Charles Nodier (que negou publicamente a autoria) com o título “Lord Ruthwen ou Les Vampyres” (foi colocado w no lugar de v). Nodier, aproveitando o sucesso e as possibilidades do personagem, adaptou para uma peça de teatro “Le Vampire” que foi fundamental para a difusão popular do tema. Adaptações para óperas foram realizadas por Heinrich Marschner (“Der Vampyr”) e Peter Josef von Lindpaintner (“Der Vampyr”), ambos em 1828. O nome Rutven se torna tão popular que Alexandre Dumas faz referência ao Lord em seu clássico “O Conde de Monte Cristo”.
O vampirismo será um dos temas encaminhados pelo romantismo (com ênfase no gótico) em seu confronto com os cânones do racionalismo clássico. O protótipo do vampiro teve a sua forma literária fixada de modo definitivo no mundo de fala inglesa com Polidori e com a produção que o sucede. “O Vampiro” é um referencial que separa as lendas e histórias de vampiros – como as compiladas por Dom Calmet que tinham como protagonistas homens do povo: aldeões, soldados, camponeses-, para o modelo de vampiro aristocrata, sofisticado e que trazia a tradição de um passado de poder já decadente. Este princípio será retomado em “Drácula” de Bram Stoker, onde o Conde é um “gentleman” de uma existência secular fundada na exploração dos camponeses.
John Polidori em 1822. |
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