Porto do Rio Grande em 1908

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sexta-feira, 20 de julho de 2018

O PEQUENO PRÍNCIPE: SAINT-EXUPÉRY E O AEROPOSTALE











         Um grande aviador e um pequeno príncipe se encontram na solidão do deserto! Nasceu daí um dos livros mais cultuados do século XX e que tem origem nas atividades de uma empresa de aviação francesa. Vejamos um pouco desta história...
O pioneiro aviador francês Pierre-Georges Latecoère, fundou no ano de 1918, em Toulouse, a Société des Lignes Latécoère. No ano de 1927 passou a chamar-se Compagnie Générale Aéropostale. Especializando-se no transporte de serviços postais, a Aéropostale ligava Toulouse a Barcelona, Casablanca (Marrocos), Dakar (Senegal), cidades brasileiras como Natal e Rio de Janeiro, além da linha ligando Buenos Aires e o sul do Brasil.
Nos primórdios da aviação, os pilotos eram egressos do serviço militar e se constituíam, quase sempre, em ex-combatentes da I Guerra Mundial escolhidos por sua bravura. Afinal, o índice de confiabilidade dos aviões ainda era restrito e os acidentes eram comuns. Mau funcionamento mecânico ou condições atmosféricas desfavoráveis levavam a acidentes graves. Os pilotos, ostentavam em seu corpo, o resultado de quedas ou incêndios em suas aeronaves. As cicatrizes significavam bravura e experiência, resultado de vôos em condições extremamente precárias.
A Aéropostale envolveu-se num escândalo referente a pagamentos postais do governo francês e deixou de operar em 1932. Porém, seu capital fez parte da composição da Air France que surgiu em 1933 e se tornou uma das maiores empresas de aviação do planeta. Em 1934 Saint-Exupéy ingressou na Air France, tendo por missão divulgar as aventuras aéreas e a importância da aviação nos tempos pioneiros.
Portanto, dos quadros de aviadores da Aéropostale surgiu o “poeta da aviação” Antoine de Saint-Exupéry que nasceu em Lyon em 29 de junho de 1900 e que a partir de 1926 ingressou na Aéropostale com missões diplomáticas entre Touluose e Casablanca/Dakar. Clássicos da literatura como “Vôo Noturno” (1931) e “O Pequeno Príncipe” (1943) tiveram como tema as experiências reais e fictícias de Saint-Exupery em suas viagens aéreas pela Europa, norte da África e América do Sul. O livro “Correio Sul” foi publicado em 1929, fruto da permanência do autor na opressora solidão do deserto do Marrocos.
O capítulo de sua trajetória - que interessa de forma mais direta aos rio-grandenses -, ocorreu a partir de setembro de 1929 quando ele é designado como diretor da Aéropostale (Aeroposta Argentina). Fruto destas experiências na região platina foi publicado “Vôo Noturno” e neste período de 1929-1931, ele fez muitas viagens pelo céu do Brasil, pois havia 11 escalas da Aéropostale em território brasileiro.
Em 1935, tentando o raid Paris-Saigon junto com seu mecânico Prévot, Saint-Exupéry sofre um acidente no deserto da Líbia onde permanecem entre a vida e a morte até serem salvos por um beduíno. Um novo raid, na Guatemala, acaba resultando em outro acidente extremamente grave que lhe deixou novos ferimentos e seqüelas físicas. Em 1939, ele publicou “Terra dos Homens”, ressaltando a história de aviadores da Aéropostale.
Na II Guerra Mundial, lutando pela França em 1940, torna-se piloto de reconhecimento e em 1942, parte para os Estados Unidos, onde escreve o livro até hoje lembrado: “O Pequeno Príncipe” com ilustrações por ele feitas. É autorizado a se reintegrar as missões de reconhecimento aéreo no Mediterrâneo e desaparece sobre este Mar no dia 31 de julho de 1944, surgindo um longo mistério sobre o seu destino. Em 1998, um pescador resgata no mar de Marselha um bracelete com o seu nome gravado e os destroços do avião P-Lightining 38 que finalmente foi localizado.
O famoso aviador realmente esteve no Rio Grande do Sul? A resposta é sim! Entre os anos de 1929 e 1931 ele fez muitas viagens entre Buenos e cidades brasileiras trazendo correspondências para localidades onde havia escalas da Aeropostale. Foi o caso de Porto Alegre e Pelotas. Na capital rio-grandense, o próprio escritor em seu livro “Vôo Noturno” deixou este registro durante um vôo: “Havia brumas para os lados de Porto Alegre”. Ele foi identificado tomando o refrigerante hidrolitol nos cafés da Rua da Praia no centro de Porto Alegre vestindo “os casacos de couros que os aviadores, e só eles, então vestiam” (Nilo Ruschel, “Rua da Praia”) e também participou de um churrasco na zona sul da capital junto com o piloto Jean Mermoz.     
Já em Pelotas as evidências de sua permanência são difusas. A Aeropostale mantinha uma pista de pouso, oficina mecânica e uma casa nesta cidade e o famoso aviador Jean Mermoz participou de atividades sociais na cidade as quais foram documentadas. Mas Saint-Exupery? Em artigo de A.F. Monquelat e Jonas Tenfen (http://www.amigosdepelotas.com.br) esta questão é levantada. Estes escritores citam a biografia J’ai vécu l’épopée de l’Aéropostale  do mecânico Marcel Moré em colaboração William Desmond como fonte para alguns esclarecimentos.
Marcel Moré escreveu em seu livro que Saint-Exupéry aterrissou um dia em Pelotas, vindo de Buenos Aires, no comando de um avião Laté-28, possivelmente nos primeiros meses de 1930. Era apenas uma escala técnica para seguir para o Rio de Janeiro. Porém o mecânico escuta um barulho anormal do motor e fez sinais para que o avião não decolasse. Ocorreu uma troca de aviões, com Saint-Exupéry pilotando o avião reserva um modelo Laté-26 (menos veloz e mais desconfortável) para a viagem até o Rio de Janeiro. Examinando o motor, constatou-se que uma peça mestra da hélice estava seriamente avariada e que o avião não suportaria mais 15 minutos de vôo. Ou seja, o avião poderia ter sofrido uma queda anterior a chegar a Pelotas ou certamente sofreria um acidente minutos após decolar.
Na passagem seguinte por Pelotas, foi explicado ao piloto-escritor que o avião estava com sério problema e ele teria agradecido a Moré por ter impedido a decolagem que poderia ser fatal. Segundo Monquelat e Tenfen “podemos afirmar que Saint-Exupéry esteve e não esteve em Pelotas. Pousou no aeródromo em escala compulsória e parte do serviço (por isso esteve no aeródromo), mas não freqüentou Pelotas, não recebeu homenagens ou jantares (por isso não esteve na cidade)”.
Realmente, neste período ele ainda não era o famoso escritor e divulgador da aviação que atraia multidões para conhecê-lo. É preciso ressaltar que pesquisas em estão andamento buscando novas evidências sobre a presença do aviador no Brasil e no Rio Grande do Sul.  
Ilustrações: cartão-postal, selos e notas de franco (emitidos na França) comemorativos a Saint-Exupéry. 




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