Inúmeros
viajantes estrangeiros estiveram em Rio Grande no século XIX. Os relatos sobre
a cidade trazem impressões relevantes para fazermos uma visita mental até
cenários que não mais existem. O alemão Oscar Canstatt (livro Brasil: Terra e
Gente, 1877) registrou sua passagem por Rio Grande ocorrida no final da década
de 1860. A agitação portuária e o papel comercial se destacam neste relato.
“Procurei um
comerciante alemão, para quem trazia uma carta de recomendação, que me hospedou
em sua casa com a cativante hospitalidade que se encontra freqüentemente em
países estrangeiros, e o bem-estar que ela proporciona é uma compensação das
muitas privações sofridas nas viagens por longínquas regiões. Rio Grande é uma
cidade inteiramente comercial, onde quase não se conhecem outros interesses se
não os do comércio. Acha-se este na sua maior parte nas mãos de estrangeiros, entre
os quais os alemães têm lugar saliente. As maiores casas importadoras pertencem
a firmas alemãs, ou pelo menos de origem alemã. A conseqüência natural é que,
entre os navios ancorados no porto, grande número arvora a bandeira alemã. Ao
longo do cais o movimento é grande. Aí os armazéns das grandes casas comerciais
alternam-se com as lojas mais pequenas de maçame e toda espécie de petrechos
para navios, tavernas de marinheiros, hospedarias, lojas de todas as espécies
de artigos e agências de tudo o que se relaciona com o mar. Montes de couros
empilhados e as mantas de carne desenroladas ao sol para secar mostram logo
quais são os principais artigos de comércio da província; submetem, porém, com
seu cheiro repugnante, o nervo olfativo dos recém-chegados a uma dura prova. O
pez, o sebo e o alcatrão amontoados também concorrem para impregnar a
atmosfera, na redondeza de um aroma nada agradável. Louros filhos de Albion e
negros de carapinha movimentam-se entre esses tesouros, procurando, cada um ao
seu modo, ganhar o metal sonante. A cidade é em geral melhor construída e mais
bonita do que o que se está acostumado a ver no Brasil, e muitas construções,
lojas e instalações de notam certo luxo e abastança. Surpreendeu-me, por
exemplo, o elegante salão de um cabeleireiro, que teria tão bem correspondido
às exigências de Paris e Viena, como estava correspondendo às de Rio Grande. Os
edifícios públicos, ao contrário, eram excessivamente despretensiosos; entre
eles só um bonito hospital chamou minha atenção. A extremidade sul da cidade
está cercada de alguns fortes, que se destinam à sua proteção contra um ataque
pelo lado de terra. Prestam, porém, mais serviços contra o avanço das massas de
areia, fora da cidade, que contra inimigos humanos. A convivência, entre si, dos
muitos alemães em Rio Grande, como de outros estrangeiros, deu origem, além de
aos clubes das respectivas nacionalidades, a uma outra sociedade que se destina
ao entretenimento depois da faina e do afã do dia, dos europeus banidos nessa
costa arenosa. À noite encontrei lá muitos compatriotas, que com suas histórias
me puseram a par de suas vidas no Rio Grande, ora alegres, ora tristes. A
despeito de seus vivos protestos, não pude deixar de visitar também o pequeno
teatro brasileiro no qual estavam levando Hebraica Actrícia e Mascate italiano,
duas peças, nenhuma das quais me compensou do horrível calor que fazia naquele
templo da arte. O desempenho, para condições sul-americanas, não foi de todo
mau. Nos entre atos distraí-me com o pano de boca ornado com uma reprodução de
um quadro da galeria de Versailles: “O sonho da felicidade”, com alguns
camundongos que se perseguiam com uma tranqüilidade admirável na cimalha da
cornija do teto, e com as toiletes mais variegadas possível do elemento de cor
que ocupava diversos camarotes. O recinto do teatro pode ser mais ou menos
comparável ao do Wallner Teater, de Berlim, ou ao de um peque no teatro alemão
de verão. Impressionou-me desagradavelmente o fumar e cuspir, diante dos
camarotes e nos corredores, por um público nada seleto, sem a menor cerimônia.
Devia ser meia-noite quando, depois dessa duvidosa diversão artística, pude
procurar a cama. Empreguei o dia seguinte em diversas excursões de
reconhecimento dentro e em volta de Rio Grande, a pé e a cavalo, que me parece
supérfluo descrever detalhadamente, por que o leitor já deve ter formado um
excelente quadro do Rio Grande por meio das diversas descrições conhecidas. À
tarde tomei novamente um pequeno vapor brasileiro que devia levar-me, pela
lagoa dos Patos e pelo Guaíba, até Porto Alegre (...)”.
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