Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 13 de julho de 2017

DIÁRIO DE DARWIN NO BRASIL

O navio HMS Beagle, no ano de 1832, navegou do Rio de Janeiro até Maldonado (Uruguai). Lamentavelmente, não atracou no Porto Velho do Rio Grande. Imaginemos os registros que poderiam ter sido documentados pelo seu mais famoso passageiro o naturalista Charles Darwin em seu diário: fauna, flora e sobre a vida cotidiana na então Vila do Rio Grande de São Pedro. Neste período pré-Revolução Farroupilha o cenário político já estava agitado e poderia render algumas observações inteligentes deste magistral observador.
De um lado Darwin apreciou a natureza que ele descreveu entusiasticamente durante sua viagem ao Brasil; em outra perspectiva ele proferiu palavras ácidas em relação à escravidão e a corrupção que ele vivenciou no Brasil, especialmente durante sua permanência no Rio de Janeiro. 
A primeira publicação dos diários desta expedição inglesa de levantamento topográfico e de História Natural foi publicada na Inglaterra em maio de 1839 como “Narrativa da Viagem de Levantamento dos Navios de nossa Majestade Adventure e Beagle” em quatro volumes. O “Diário e Anotações de Darwin 1832-1836” forma o terceiro volume e se tornou uma obra que popularizou o jovem cientista que tinha apenas 22 anos no início da viagem.
Os relatos deixados em relação à sociabilidade encontrada no Brasil não são positivos para um país que estava a dez anos independente de Portugal. Obviamente, o país apenas começava a sua construção pós-colonial, mas o que mais “incomoda” é que já passaram quase dois séculos e inúmeras mazelas continuam vivas: má prestação de serviços, infra-estrutura medíocre, corrupção, jeitinhos, favorecimentos etc.
Deixemos o próprio Darwin relatar alguns momentos deste convívio de mais de seis meses no Brasil, sempre levando em consideração que são impressões subjetivas que não podem ser generalizadas a tudo que sem chamava Brasil naquela época:
 “3 de julho de 1832. Fomos à cidade. Ao desembarcar, encontrei a Praça do Palácio repleta de gente em volta da casa de dois cambistas que haviam sido assassinados na noite de ontem de forma mais atroz que o normal. É bastante temeroso ouvir os crimes enormes cometidos diariamente e não punidos. Um escravo que assassinar seu senhor se tornará um escravo do governo após ser confinado por algum tempo. Já um homem rico pode estar certo de que estará livre dentro de pouco tempo, por maior que seja a acusação contra si. Todos aqui podem ser subornados. Um homem pode se tornar marinheiro ou médico ou qualquer outra profissão se puder pagar o bastante. Alguns brasileiros já declararam com seriedade que o único defeito que enxergam nas leis inglesas foi não identificar qualquer vantagem dos ricos e respeitáveis sobre os pobres e miseráveis. Os brasileiros, até onde posso julgar, possuem apenas uma pequena fração daquelas qualidades que conferem dignidade à humanidade. Ignorantes, covardes e indolentes ao extremo. Hospitaleiros e bem intencionados até onde isso não lhes causa qualquer problema. Moderados, vingativos, mas não briguentos. Contentes consigo e com seus costumes, eles respondem a qualquer comentário perguntando: ‘Por que não podemos fazer como nossos avós faziam?’. Sua própria aparência pressagia sua pequena elevação de caráter. De vulto pequeno, eles logo se tornam corpulentos. Devido a sua pouca expressão, parecem ter a cara afundada entre os ombros. Os monges são ainda piores nesse último aspecto. Não é preciso muita fisionomia para ver plenamente estampados em seu rosto a dissimulação perseverante, a sensualidade e o orgulho. Há um velho que sempre paro para olhar, igual apenas a Judas Iscariotes em tudo que já vi”.
Alimentar-se bem era uma experiência difícil. As hospedarias e os donos de pousadas são pouco amáveis, quase sempre bruscos e suas próprias casas e a de seus parentes com freqüência estão descuidados e sujos. As hospedarias não têm facas, garfos ou colheres, o que o convence de que seria difícil encontrar na Inglaterra, um abrigo, por mais pobre que fosse, tão desprovido das coisas elementares. Darwin escreveu que era satisfatório que ao final de uma espera de mais de duas horas, fosse possível comer carne de galinha, arroz e farinha, sendo em alguns casos, preciso ajudar a matar as galinhas a pedradas, antes da refeição. Se questionar da demora a resposta era: “A comida estará pronta quando estiver”. Como exceção foram “tratados magnificamente” numa certa localidade. Porém, o custo final foi à apropriação indébita de uma bolsa. Questionando o proprietário sobre o sumiço da bolsa a resposta foi: “Como querem que eu saiba disso? Talvez tenha sido comida pelos cachorros”.
Outras observações interessantes são sobre infra-estrutura e a violência. Ele viaja para uma aldeia onde passa uma das principais estradas do Brasil que está em péssimas condições e mal dá passagem a carros de boi! Darwin também observa inúmeras cruzes à beira da estrada, que, em vez de marcos de distância, assinalam pontos de mortes por assassinato.
As práticas cotidianas vivenciadas por Darwin infelizmente não são estranhas no presente. As raízes de que “algo está podre no Reino Tupiniquim” é de longa duração. Especialmente, num dos trechos mais paradigmáticos da narrativa: ‘Por que não podemos fazer como nossos avós faziam?’ Esta afirmação recuaria estas práticas do “vale tudo patrimonialista” há meados do século XVIII! O olhar científico iluminista de Darwin se chocou com um ambiente pesado de favorecimentos e de truculência inerente às relações escravistas. O naturalista afirma que jamais iria esquecer a vergonha que sentiu com a expressão facial de um escravo. Darwin procurou com gestos de mímica se comunicar e fez um movimento mais brusco próximo ao rosto do escravo: este protegeu o rosto com olhar temeroso como se fosse ser agredido. A brutalidade permeava os pequenos e os grandes gestos... 
Apesar de frisar que não gostaria de mais visitar o Brasil, Darwin levou uma bagagem repleta de experiências fundadas na diversidade natural do país: a coleta de espécimes animais e vegetais, as observações das montanhas, florestas, mangues, rios e do litoral o levaram a afirmar que “é impossível sonhar com algo mais delicioso que essa estada de algumas semanas num país tão impressionante”, pois para os interessados em História Natural “nesses climas tão férteis, repletos de seres animados, para fazer uma caracterização, descobertas novas são feitas a cada instante”. 

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