Porto do Rio Grande em 1908

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quinta-feira, 13 de julho de 2017

ANTIGOS HABITANTES DO SACO DA MANGUEIRA

A ocupação humana do entorno do Saco da Mangueira é muito anterior ao século XVIII.  O artigo escrito pelo Arqueólogo Pedro Augusto Mentz Ribeiro “Sítios Arqueológicos do Saco da Mangueira, Rio Grande” (Escritos sobre Arqueologia. Rio Grande: Furg, 2001), analisou as tradições arqueológicas que deixaram vestígios de ocupação em suas margens. Uma síntese destas informações, a partir do escrito do autor, será reproduzida a seguir.  

Conforme Pedro Ribeiro, o Saco da Mangueira faz parte do sistema lagunar da Laguna dos Patos. Está localizado próximo da desembocadura da Laguna com o mar. As coordenadas do local encontram-se entre os 52º 05’ a 52º 10’ de longitude oeste e os 32º 03’ aos 32 º 07’ de latitude sul. Sob o ponto de vista geológico-geomorfológico, os terrenos circundantes da área em estudo pertencem ao sistema deposicional Laguna-Barreira IV, de idade holocênica, portanto, relativamente recente ou inferior a 5.100 anos A.P. Os solos predominantes são os areno-argilosos e banhados. 
No lado oeste do Saco da Mangueira, setor de ocorrência dos sítios arqueológicos, observa-se uma faixa de dunas paralela a praia, com altura girando em torno dos 10m de altura. O clima é subtropical com temperatura média anual em torno dos 18º C. O oceano funciona como elemento estabilizador da temperatura, não havendo extremos na máxima e na mínima. A média anual de precipitação pluviométrica gira ao redor dos 1250mm, sendo as chuvas bem distribuídas. Relativamente alta é a média da umidade relativa do ar: 81%. A direção predominante dos ventos é do nordeste. A vegetação característica é a rasteira e a arbustiva ou as “matas de dunas litorâneas”.

       Dezoito sítios arqueológicos foram registrados para o Saco da Mangueira, trecho entre o depósito central dos supermercados Guanabara, ao norte, e o Clube de Tiro, Caça e Pesca, ao sul, perfazendo aproximadamente 3,5km. Encontram-se eqüidistantes das águas do Saco, mais ou menos 50m, na linha de dunas. São denominados de “sítios erodidos sobre dunas”. Uma camada escura de ocupação, resultado das fogueiras que seus ocupantes faziam no interior de suas habitações, denuncia a existência dos sítios arqueológicos. Ao ser erodido, pelo processo de deflação eólica, as areias são carregadas pelo vento, permanecendo somente o material arqueológico, mais pesado (fragmentos de cerâmica de vasilhas, ossos, conchas). Em outras palavras, o que ocorreu foi o seguinte: quando o homem surgiu na região, havia dunas, de aproximadamente 1,5m de altura e uns 4,0m acima do nível das águas. Por serem locais mais secos juntos d’água e, portanto, com melhores condições de habitação, os membros do bando os escolheram para construírem suas moradias. Estas poderiam ser de troncos e galhos de árvores com cobertura de gramíneas ou, ainda, de couro. Desconhecemos seu formato. Como se tratava de grupos nômades ou seminômades existe a possibilidade destas casas terem sido simples pára-ventos. Passam, então, a sustentarem-se dos recursos do local, principalmente da pesca de peixes, crustáceos e coleta de moluscos, secundado pela coleta de frutos e sementes e, ainda, da caça de mamíferos. Aí faziam suas fogueiras para cozinhar alimentos, afastar os insetos, iluminar e aquecer as noites de primavera, outono e mesmo algumas de verão. Nestes locais de habitação também enterravam seus mortos diretamente no solo, flectidos. Esta ocupação provavelmente ocorria nos meses de temperatura mais elevada. Nos outros meses deveriam habitar locais mais afastados d’água e com maior altitude. Neste caso modificariam seus hábitos alimentares. Com a conquista européia, estes sítios foram abandonados, definitivamente deixando, porém, vestígios das ocupações. Trata-se de camadas escuras que variam de 10 a 50cm de espessura.
Conforme Pedro Ribeiro, o setor oeste do Saco da Mangueira foi ocupado, no período pré-colonial do Rio Grande do Sul, inicialmente por portadores de cultura material denominada de Umbu, pré-ceramista, após por sua sucessora a ceramista Vieira e, finalmente, pela Tupiguarani, subtradição Guarani. A exemplo de outras regiões do sul do estado e norte do Uruguai, os portadores da cultura material classificada como Tupiguarani, chegaram posteriormente à Tradição Vieira. Tentativamente poderíamos colocá-los em torno dos 800 anos A. P. As duas últimas tradições, Vieira e Tupiguarani, entraram em contato uma com a outra. É ignorado quando e a forma em que este se processou. A Tradição ceramista Tupiguarani, em outras regiões do centro e norte-noroeste do estado sobrepõem-se a Taquara e sabemos, através da Etnohistória, que o guarani era um grupo conquistador. Talvez tenha sido esta a forma de ocupação do terreno. Mas não resta dúvida que, num certo momento, ambas as culturas foram contemporâneas na região. Os responsáveis pelos vestígios materiais destas tradições tinham, na busca de alimentos, ou seja, na pesca, na caça e na coleta de moluscos e sementes, a base da sua alimentação, particularmente a primeira atividade. Através de dados etnohistóricos sabemos que a Guarani praticava a horticultura (milho, feijão, mandioca, abóboras, algodão, etc.). Não temos certeza se a Vieira também produziu algum tipo de alimento.

A relativa quantidade de sítios arqueológicos pré-coloniais, ou seja, dezoito em três quilômetros e meio de extensão ou um sítio a cada 200 metros, aproximadamente (os localizados), mostra ter sido o Saco da Mangueira uma área rica em recursos alimentares, especialmente marinhos. Estes propiciaram fonte de alimentos não somente para os primeiros povoadores mas, da mesma forma, aos posteriores colonizadores europeus e brasileiros até os nossos dias. A cidade do Rio Grande, por encontrar-se numa península, tem como forma única de expansão sua porção meridional, justamente onde se encontra o Saco da Mangueira. Inclusive foi proposto por um vereador, há alguns anos passados, que se entulhasse suas águas com lixo sendo assim possível a ocupação imobiliária. A destruição de sítios arqueológicos, na área em estudo, deve-se justamente às construções (residências, clubes esportivos, silo, depósito, etc.) ou retirada de areia, para o mesmo fim, em outras áreas da cidade. Os sítios arqueológicos, por estarem localizados nas dunas, criam a esperança da preservação de ambos, protegidos por lei de patrimônio e ambiental, respectivamente. No entanto, consideramos mais importante a conscientização da população, especialmente a camada mais jovem. O aprofundamento do conhecimento da história mais antiga da cidade do Rio Grande só será possível na medida em que forem preservadas as dunas com seus sítios arqueológicos, conclui Ribeiro. 

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