Se a Monarquia desabou ao solo brasileiro como um fruto podre a República é uma fruta que até o presente ainda espera a sua maturação sendo ameaçada pelos bichos que a devoram e parasitam. Se num primeiro momento, em novembro de 1889, a perplexidade tomou conta do país e deflagrou na historiografia o nome “bestializados da República” para se referir a população que não entendia o que significava o fim da Monarquia; nos anos seguintes eclodiram vários conflitos que levaram a Revolta da Armada e a Revolução Federalista, ambas a partir de 1893. Os ânimos foram se acirrando e os confrontos foram mais viscerais no Rio Grande do Sul, onde a substituição dos liberais e monarquistas do aparelho de Estado e a escalada fulminante de membros do Partido Republicano de orientação castilhista-comtiana, levou ao enfrentamento militar entre as facções envolvidas que se estendeu até 1895.
Neste crescendo de violência e de cerceamento a liberdade de imprensa, o ano de 1892 em Rio Grande, assinalou um quadro de discussões através da imprensa local que se estendeu até as comemorações dia 7 de Setembro. Um intelectual envolvido neste episódio foi Mario de Artagão, que vinha sistematicamente questionando as desvantagens da República e as vantagens da Monarquia. A pena do escritor acabou valendo como uma declaração de guerra contra as forças castilhistas que controlavam o poder local. O questionamento da ordem republicana nas matérias de Artagão, somadas a outras variáveis de descontentamento, podem ter sido o estopim para os atos de força que se seguiram.
Em livro do historiador Francisco das Neves Alves é relatado este tenso momento ocorrido na cidade do Rio Grande nos dias que antecederam o Sete de Setembro de 1892:
“Com a proximidade da data da independência brasileira, o redator do jornal A Actualidade passou a ocupar-se em desmentir um movimento conspiratório em prol do retorno à monarquia. Através do editorial “O boato”, Artagão afirmava que havia muita gente a tremer diante do dia 7 de Setembro, murmurando sobre uma planejada restauração da monarquia, de modo que as autoridades estariam a arregimentar tropas, pondo-as de prontidão, visando sufocar o grito que poderia partir da cidade do Rio Grande para conflagrar a pátria brasileira. Perante isso, ele reagia, dizendo que, se era um idiota o forjicador do boato, não menos insensatos eram aqueles que lhe davam curso, e garantia que ninguém cogitara em restaurar a monarquia por meio de uma conspiração. Reconhecia que em vários estados os partidos monárquicos se arregimentavam, fazendo uma propaganda ativa em favor da restauração, mas ela seria realizada dentro da lei, com ordem e moderação, embora amparada no entusiasmo que todas as causas nobres costumavam inspirar.
A extrema repressão governamental no dia 7 de Setembro seria descrita por Artagão, através da matéria “Os sucessos”, na qual denunciava os excessos das autoridades, declarando que a o Rio Grande tivera, pela primeira vez na sua vida pacata de cidade comercial, a ocasião de apreciar uma ostentação de força, descabida e espalhafatosa, cheia de perigos para a tranquilidade pública. Para o escritor, o governo exagerara ao ostentar sua força armada, a qual, ao invés de inspirar tranquilidade, provocara um mal-estar geral, de modo que a polícia, ao contrário de garantidora da ordem, transformara-se em perturbadora da mesma. Ele acusava que os agentes governamentais promoveram ampla violência, com agressões brutais e prisões arbitrárias, provocando uma desordem medonha. O periodista descrevia ainda que em muitos quintais fora arvorada a bandeira imperial, diante do que o diretório do partido monárquico expedira um emissário com o fim de conseguir a retirada de tais estandartes, de modo a evitar mais violências, bem como destacava que a redação da Actualidade fora muito visitada, sendo todos aconselhados a manter a calma e a prudência, evitando qualquer manifestação que pudesse alterar a ordem pública.
O clima de instabilidade prosseguiria e a controvérsia em relação aos acontecimentos em torno do 7 de Setembro se mantinha ainda no dia 13, tanto que Artagão teve de publicar o editorial “Uma defesa”, no qual mais uma vez enfatizava que não participara das manifestações naquela data, argumentando que, ao contrário, pressentindo que os populares se encaminhavam para a redação de sua folha, achara por bem retirar-se do escritório de modo a evitar que lhe forçassem a tomar a palavra, o que teria feito pregando abertamente a monarquia. O escritor narrava que se deslocara para o salão de um hotel citadino no qual fora interpelado por vários de seus adversários políticos, que o apontaram como culpado das agitações, ao que reagira e, em suas palavras, expressara suas convicções como jornalista e partidário de uma causa, concluindo que sua atitude fora coerente segundo a concepção das pessoas sensatas e criteriosas.
Mario de Artagão chegou a mostrar-se encorajado a partir da campanha em torno de suas convicções, como ao divulgar o recebimento do que chamou de um belíssimo documento, de simplicidade encantadora, e por intermédio do qual verdadeiros corações de patriotas empenhavam todo o seu entusiasmo em favor da restauração da monarquia. Os meses seguintes persistiram turbulentos e no mês de maio de 1894 Artagão se retirou do jornal A Atualidade, pois vinha sendo sistematicamente ameaçado a cada publicação de matérias que continuavam a criticar a atuação republicana. Acabou se refugiando no Consulado da Inglaterra durante alguns meses e posteriormente, a pena literária foi dando outro rumo a sua ácida militância jornalística".