Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

VISÕES DO RIO GRANDE - SAINT-HILAIRE I


*Capítulo do livro de Francisco das Neves Alves e Luiz Henrique Torres, "Visões do Rio Grande: a cidade sob o prisma europeu no século XIX". Rio Grande: FURG, 1995. 

 
Mapa dos itinerários de Saint-Hilaire. In: http://arquivos.ambiente.sp.gov.br/portalnovomedia/2015/06/1-mapa_saint_hilaire.png
Saint-Hilaire
             Auguste François César Provensal de Saint-Hilaire (nasceu em Órleans 1779 e faleceu em Turpinière 1853) é o responsável pela primeira expedição botânica ao Rio Grande do Sul. “Autodidata por excelência, sem maiores fontes de estudo, valeu-lhe mais que tudo um inato espírito científico, aprimorado nas observações meticulosas que realizava”.[1]
            Em junho de 1816, chegou ao Brasil em companhia do ministro francês no Rio de Janeiro, Duque de Luxemburgo, iniciando sua excursão por Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo, e, posteriormente, excursionou aos Rio Uruguai e Prata. O naturalista coletou milhares de exemplares minerais, zoológicos e botânicos, parte dos quais, atualmente, encontram-se no Museu de Paris. Segundo Abeillard Barreto, Viagem ao Rio Grande do Sul somente foi publicada em 1887 em Órleans com o título francês Voyage à Rio-Grande do Sul - Brésil, sendo a mais “ordenada de suas descrições de viagem e ainda hoje, sob o ponto de vista do leitor, o manancial mais sadio e mais profundo para o estudo dos homens e das coisas rio-grandenses”.[2]
            O itinerário de Saint-Hilaire no Rio Grande do Sul iniciou no Rio manpituba em Torres, seguindo para Tramandaí, Viamão até chegar em Porto Alegre a 21 de junho de 1820. Permaneceu em Porto Alegre por mais de um mês, seguindo para Viamão e posteriormente para Rio Grande, onde realizou descrições geográficas, botânicas e da vida econômica e social da cidade. Parte para Pelotas e depois Taim e Chuí, percorrendo por quatro meses a então Província Cisplatina. Retorna ao Rio Grande do Sul em 26 de janeiro de 1821 pelo rio Quaraí, percorrendo as Missões Jesuíticas e depois Tupanciretã, Santiago, Santa Maria, Cachoeira, Rio Pardo e novamente Porto Alegre. Em 18 de junho de 1821 embarca, via Rio Grande, para o Rio de Janeiro, passando o restante de sua vida organizando o material coletado no Brasil e redigindo dezenas de livros e memórias. Em 1822, apresentou uma exposição Aperçu d'un voyage dans l'interieur du Brésil, la Province Cisplatine et les Missions dites du Paraguay, a qual tornou o autor membro da Acadêmia de Ciências de Paris.
            O estilo irreverente utilizado por Saint-Hilaire ao descrever o cotidiano dos habitantes, sua visão européia baseada no racionalismo científico e na valorização da intelectualidade, a caracterização das pessoas e lugares sociais ocupados, demonstram a projeção de valores europeus dos primórdios do século passado. Nesse sentido, não é somente os negros e índios que sofreram leituras depreciativas, mas as próprias elites são muitas vezes associadas a falta de preparo intelectual, exatamente pelo restrito acesso ao universo literário e científico.
            Após uma breve passagem pelo Norte (São José do Norte), Saint-Hilaire acompanhando o Conde de Figueiras, fez a travessia para o Rio Grande do Sul (Rio Grande) no dia 06 de agosto de 1820. Ele relata que navegou numa barca conduzida por vários remadores vestidos de branco que, a intervalos, bradavam vivas ao Conde de Figueiras, sendo este grito repetido pela tripulação das embarcações que se achavam no porto. Já era noite quando chegaram ao Rio Grande. “O conde foi recebido no cais da cidade pelos membros da Câmara, todos de traje completo, de bengala à mão. Tanto quanto pude verificar a noite, o cais tinha sido muito bem ornamentado. No meio da ponte de desembarque, construíram um pequeno arco do triunfo e à extremidade da mesma ponte ergueram dois imensos pedestais, encimados cada um por uma estátua. Esses diferentes trabalhos eram feitos de madeira e pano pintado, tendo sido executados por um francês”.[3]
           Saint-Hilaire e o Conde são conduzidos à Igreja que “se achava enfeitada com faixas de damasco vermelho, como nos maiores dias de festa e os degraus do altar-mor completamente cheios de velas acesas”. O Te-Deum foi cantado e após um “pregador subir ao púlpito” tecendo elogios e “mil outras lisonjas vulgares e mal expressadas” ao Conde. “Durante todo esse tempo ficara exposto o Santíssimo Sacramento, mas a assistência nem por isso guardava respeito, portando-se quase como se estivesse num mercado”.[4]
           Após a cerimônia religiosa, o padre conduziu os visitantes à casa do Tenente-General Marques para um esplêndido jantar pois “a mesa estava coberta de uma quantidade de travessas, guisados e ensopados de toda qualidade”. Num segundo momento foram servidos “assados, saladas e massas”. Após o jantar “levantamo-nos da mesa e fizeram-nos passar a uma outra sala, onde encontramos uma sobremesa magnífica, composta de uma variedade de bombons e doces”. Saint-Hilaire ainda fez referência  a uma fruta deliciosa chamada laranja-de-umbigo ou laranja-da-Bahia. Após a sobremesa foram servidos café e licores. A reunião prolongou-se pela madrugada estando a maioria dos convidados embriagados. “Os portugueses e os brasileiros costumam beber o vinho puro, e nos grandes banquetes, o nocivo hábito de erguer brindes excita-os a tomarem em excesso”. Em decorrência deste hábito, no dia seguinte todos estavam tristes e fatigados.[5]


[1] BARRETO, Abeillard. Bibliografia Sul-Riograndense: a contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e a integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, vol. II, 1976, p. 1181.
[2] BARRETO. 1976, p. 1182.
[3] SAINT-HILAIRE. Auguste. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre, ERUS/Martins Livreiro, 1987, p. 57.
[4] SAINT-HILAIRE. p.58.
[5] SAINT-HILAIRE. p. 58.

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