Porto do Rio Grande em 1908

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segunda-feira, 11 de novembro de 2019

ORGULHO E PRECONCEITO




Edição inglesa de 1833 de “Orgulho e Preconceito”.


Uma jovem de 20 anos escreveu o romance “Orgulho e Preconceito”. Finalizado em 1897 e publicado em 1813, a obra é uma das referências na produção da romancista inglesa Jane Austen (1775-1817) que faleceu com apenas 41 anos de idade. Lembrar Austen é uma forma de demarcar a presença feminina num dos inúmeros campos da cultura humana onde está a sua presença: a literatura. 
A autora continua até o presente em evidência e aproximou o ficcional com o cotidiano da Inglaterra da transição do século XVIII para o século XIX. O enredo se passa na cidade fictícia de Meryton, onde se observa a decadência da aristocracia do campo e o avanço da burguesia urbana, trazendo questionamentos sobre o lugar da mulher na sociedade inglesa, a instituição do casamento e as relações de poder e limites para a liberdade de escolha. O lugar social e financeiro das famílias e suas fortunas são essenciais para a negociação dos enlaces, ficando as relações fundadas no amor para segundo plano. O contexto que persistirá na sociedade vitoriana (usando como referência o governo da Rainha Vitória que perdurou de 1837 a 1901) é a da subordinação das mulheres frente à sociedade patriarcal. Na sociedade burguesa que se impõe no século XIX, o espaço da rua continua a ser dos homens e o espaço das mulheres é o lar (consolidando-se a concepção de mundo das mulheres voltado à maternidade e a condição de “rainha do lar”). O casamento das filhas é buscado exaustivamente pelo patriarca da família para reduzir as despesas oriundas do gênero feminino que era tido avesso ao trabalho na rua (o homem era o provedor do lar e a mulher ligada às atividades domésticas – como a de orientar a criadagem). Este padrão é seguido pelas famílias regidas pelo código aristocrático e burguês, mas é preciso destacar que milhões de mulheres de baixa renda trabalharam em condições degradantes na crescente indústria inglesa e não seguiram esta premissa privilegiada. O preparo feminino para o casamento passava por alguns aprendizados como é ressaltado no próprio livro “Orgulho e Preconceito”: “Uma mulher deve ter amplo conhecimento de música, canto, desenho, dança e línguas modernas para merecer essa palavra [prendada]; e à parte de tudo isso, deve haver algo em seu modo de andar, no tom de sua voz, em sua forma de relacionar-se com as pessoas, e em sua expressão que, se não for assim, não merecerá completamente atenção”.
Jane Austen se destaca na narrativa das relações sociais, dos comportamentos e costumes cotidianos daquele período. Mulheres que não conseguiam casar sofriam o desprezo público além de poderem viver de míseras pensões ou dependente da esmola de parentes. Numa sociedade pautada pelos interesses econômicos, os dois principais personagens criados por Austen são a jovem Elizabeth e Mr. Darcy que refletem os dois espaços que não deveriam se ligar, respectivamente: a decadência financeira da família de um pastor e a opulência aristocrática de uma rica família que deverá se adaptar, para sobreviver, aos novos valores do capitalismo liberal do século XIX e as novas modalidades de investimento do capital. Numa sociedade marcada pelos lugares sociais em que os interesses falam mais alto que as emoções, a personagem Elizabeth espelha uma possibilidade de “mobilidade e mudança”, pois seu humor ácido, rebeldia, não aceitação de convenções e busca de uma afetividade real vai ao encontro de Mr. Darcy que subverte os limites sociais em que estava preso pela riqueza para corresponder a atração sentida por Elizabeth. Porém, o desdobramento da relação no mundo concreto de padrões morais ficou na imaginação dos leitores, pois a autora encerra a narrativa quando do enlace. O casamento por amor prévio e não construído, uma criação da literatura romântica, realmente existiu normativamente na sociedade daquela época?
         Questionada certa vez sobre a escrita de um novo romance, ela deixou claro que escrevia para dialogar consigo e com suas apreensões e não buscando modismos lucrativos: “Tenho absoluta noção de que um romance histórico estaria muito mais apto a atender o propósito do lucro e da popularidade do que esses retratos da vida doméstica em aldeias rurais com que eu lido, mas… não posso me sentar seriamente para escrever um romance sério sob qualquer outro motivo que não salvar minha vida, e se fosse indispensável levar isso avante e jamais relaxar rindo de mim própria ou de outras pessoas, estou certa de que deveria ser enforcada antes de concluir o primeiro capítulo. Não… devo manter meu estilo e seguir meu caminho”.
Jane Austen é um dos nomes de um longo caminho percorrido pela literatura feminina que trouxe muitas inovações estéticas e temáticas para as narrativas. E no caso dela, escreveu muito sobre a constituição do tecido social e cotidiano do seu tempo e das relações econômicas estabelecidas. O tempo mostrou que a suposta imutabilidade das relações que ela se rebelava em parte de seus escritos, sofreu profundas alterações durante o século XX com o avanço das mulheres no mundo do trabalho.

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