Porto do Rio Grande em 1908

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domingo, 10 de novembro de 2019

BICENTENÁRIO DE FRANKENSTEIN E DO CONTO VAMPÍRICO

John Polidori. 


Mary Shelley. 
         A mais de duzentos anos, ocorreu o início de uma reclusão de literatos que propiciou a criação de personagens referenciais para a literatura e para à reflexão sobre a existência humana.
A erupção do vulcão Tambora em Java (Indonésia), em abril de 1815, provocou muitos dias nublados, frios e chuvosos em parte da Europa no verão de 1816. O resfriamento causado pelo fenômeno teve consequências críticas em muitos países, inclusive na Suíça, ao longo de três anos.
Cinco amigos ingleses, entre os dias 15 e 17 de junho daquele ano, ficaram isolados na mansão Villa Diodati, às margens do Lago Genebra na Suíça. Sem saber viviam um momento climático de extrema gravidade e também um momento histórico literário de relevantes desdobramentos. O grupo era formado pelo poeta romântico lorde Byron (que alugou a mansão), pelo médico e escritor John William Polidori, pelo renomado poeta Percy Shelley, por Mary Godwyng (amante de Percy e com quem se casaria no ano seguinte aos 19 anos de idade) e sua meia-irmã Claire Clairmont (também amante de Percy).
A mansão já havia recebido intelectuais de renome como John Milton, Rousseau e Voltaire. O encontro rumou para a expressão literária com a leitura de contos de terror e o desafio lançado por Byron para que os presentes escrevessem sua própria história fantasmagórica. O resultado superou qualquer previsão e surgiram dois clássicos da literatura: O Vampiro e Frankenstein.
O responsável pela elaboração de O Vampiro (publicado em 1819) foi o dr. John Polidori que edificou o primeiro vampiro contextualizado nos padrões europeus: o lorde Ruthven. Poemas e contos de vampiros circulavam, ao lado de relatos documentais, desde o século 18, porém, o componente europeu oriental ainda é muito forte naqueles escritos. A ocidentalização do vampiro está explícita em Polidori e será desenvolvida com maestria no romance Drácula de Bram Stoker em 1897. O livro suscitou polêmicas e foi creditado a Lorde Byron quando de seu lançamento. Como Polidori e Byron romperam relações de amizade (1816) pairou a dúvida de quem realmente havia sido o autor de O Vampiro (Byron reconheceu publicamente que Polidori o havia escrito). Os dois autores tiveram finais trágicos com Polidori se suicidando em 1821 e Byron morrendo em 1824 (lutando contra os turcos e ao lado dos carbonários na Grécia).
Outra obra clássica surgida naqueles dias de claustro numa mansão repleta de inspiração gótica foi Frankenstein. Escrito pela novel escritora Mary, que ao iniciar a obra tinha apenas 18 anos (era filha de um filósofo e de uma escritora de forte personalidade), nova polêmica se formou sobre a autoria da obra. A primeira edição, publicada em 1818, não foi assinada por Mary, pois uma mulher escrever uma obra desta profundidade e com esta temática poderia causar uma reação negativa neste período. Acreditava-se que o autor era Percy Shelley um dos grandes poetas ingleses do seu tempo.  Porém, a partir da segunda edição Mary Shelley assina como autora de um dos livros maiores importantes da literatura de horror. Com fortes componentes góticos na narrativa, os limites da vida e da morte são questionados e o direito do saber médico buscar a criação da vida e questionar o poder que era considerado monopólio de Deus parece um sacrilégio. A proposta inicial de uma história de fantasma transcendeu para uma reflexão sobre a manipulação da vida a partir do conhecimento e suas consequências éticas.
Questões sobre o bom selvagem de Jean-Jacques Rousseau estão presentes em Frankenstein: a rejeição da sociedade levou a criatura - construída com restos de corpos roubados de cemitérios-  a se tornar um assassino e ter a sua maldade despertada. Mary Shelley também questionou o  desenvolvimento iluminista que sacraliza a ciência como único caminho confiável, podendo conduzir a uma pretensão divina de poder, criando o dogma da ciência.
Enquanto Frankenstein persiste como uma obra extremamente reflexiva no campo da história da ciência, o personagem vampiro continua a apresentar leituras multifacetadas e que tiveram uma de suas melhores construções na obra de John Polidori.   

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