História e Historiografia do RS

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

RIO GRANDE E O NOTICIADOR



           O Noticiador começou a circular no dia 3 de janeiro de 1832 dando origem ao jornalismo na então Vila do Rio Grande de São Pedro. Era impresso no formato 22 x 32, na tipografia do editor Francisco Xavier Ferreira, no Beco do Rasgado (General Netto) e a partir do número 21, na Rua Direita (Marechal Floriano quase esquina com 24 de Maio). Além de Francisco Xavier Ferreira (o Chico da Botica), era redigido por Guilherme José Correa (que se intitulava bacharel em Medicina pela Universidade de Coimbra) e o padre Bernardo José Viegas, que veio para a Vila do Rio Grande em 1824. O último número conhecido do jornal, n.388, circulou em Porto Alegre em 9 de fevereiro de 1836. As coleções existentes em Rio Grande e Porto Alegre estão incompletas. 
         Inicialmente, o jornal circulava nas terças e sextas-feiras sendo vendido os números avulsos a 80 réis. Junto ao título estava escrito ‘Jornal político, literário e mercantil’, sendo caracterizado por acentuada postura política liberal de defesa da Independência do Brasil e denúncia das atividades dos restauradores e recolonizadores pró-Portugal. Neste sentido foi marcado pela polêmica e pela tragédia, como o assassinato do padre BernardoViegas e a ameaça de morte a outros liberais, em especial, a Francisco Xavier Ferreira, que acabaria morto em prisão do Império devido a sua militância pró-farroupilha.
         Para Rio Grande, importante entreposto comercial e porto marítimo da Província do Rio Grande, foi uma entrada marcante no campo do jornalismo. Posteriormente, dezenas de outros jornais de circulação semanal ou diária, deixaram um legado de informações de extrema importância para entender a história do Rio Grande do Sul e suas vinculações com o Brasil e outros países. São exemplos os longevos Diário do Rio Grande e Echo do Sul, que atravessaram da metade do século 19 até as duas primeiras décadas do século 20. 
O jornalismo no tempo de O Noticiador é partidário e parcial, transitando entre o confronto entre liberais e conservadores, valorizando a denúncia e a difusão de ideias a respeito da melhor forma de organização do Estado Brasileiro em formação. O jornal nasce num dos períodos mais tensos da história do Brasil e do Rio Grande do Sul que é o período Regencial e a Revolução Farroupilha.
Na apresentação do primeiro número está estampado o jornalismo opinativo engajado com a sociedade e suas mudanças. Um engajamento que levou a morte de Padre Viegas e Xavier Ferreira: “A ambição, sempre o principal motor da queda dos Impérios, tem sido também entre nós a origem fatal de tão triste calamidade. Em geral, em todas as grandes mudanças políticas, qualquer que seja a sua causa e o seu resultado, não deixam jamais de excitar-se mais ou menos destas tempestuosas agitações acerca dos negócios públicos; porque, em todas elas, existe constantemente certo número de homens que, sem algum outro mérito mais que uma ascendência momentânea, adquirida pelo brilho aparente de um zelo quimérico, e pela ostentação de um falso patriotismo, se reputam com o direito de tudo pretender, embora não possuam os recursos necessários para dirigirem as molas da pública administração, nem mesmo aquelas virtudes cívicas que devem fazer o ornato de todo o bom cidadão. (...) Tal tem sido em todos os tempos a marcha do espírito humano, traçada na história das revoluções; tal tem sido também o sistema de certos espíritos revoltosos e mal intencionados que, por desgraça, ainda se conservam entre nós, para nos inquietar. Devorados pela cobiça e pelo furor de dominar, e animados pela quase segura impunidade, que lhes procura a brandura das nossas leis, ajudada ainda da culpável negligência na sua execução eles tem procurado, por todos os meios ao seu alcance, retardar e entorpecer o progresso da nossa regeneração, ora emitindo execráveis doutrinas, capazes de abalar os fundamentos do nosso edifício social, ora avivando antigas rivalidades que para o bem comum deveriam estar já esquecidas, ora finalmente empregando movimentos sediciosos com que, apesar dos constantes esforços dos amigos da ordem, e felicidade pública, tem conseguido banir a confiança e a tranquilidade do seio dos bons.”
O Noticiador enfatizava que “o amor da liberdade, que nos leva a detestar toda a espécie de tirania; o desejo de ver o nosso país livre de todas as dissensões e rivalidades, que retardarão o andamento de sua prosperidade; a obrigação em fim, que todos temos, de contribuir segundo as nossas forças para o melhoramento e ventura da sociedade a que pertencemos, vencerão a repugnância que, em conseqüência do nosso mesquinho cabedal literário, tínhamos de tomar sobre nossos ombros a penosa tarefa de escritor público. (...) Convencidos de que a civilização deve andar a par das livres instituições, e que delas só pode ser seguro esteio a boa moral, todas as vezes que tivermos de atacar abusos, vícios, erros, ou prejuízos, fugiremos o mais possível do sistema odioso de personalizar”. Na época o jornalista se intitulava escritor público termo em plena sintonia com a exposição e crítica recebida e às vezes até pagando com a perda da vida pela expressão das ideias.
 Entre o informativo e o noticioso, entre o formal e o caricato, a imprensa da cidade do Rio Grande ruma para os 190 anos de vida acompanhando a história local e formando opiniões de leitores. Através dos tipos gráficos do século 19 ou da digitalização das últimas décadas, os escritores públicos tem alimentado gerações com informações multifacetadas da atuação dos homens em sociedade.

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