Capas de O
Diabrete e de o Bisturi. Acervo:
Biblioteca Rio-Grandense.
Para Alves, ao longo da história da imprensa
mundial, um dos gêneros jornalísticos que mais sucesso obteve foi aquele ligado
à caricatura, pois acrescia a imagem à linguagem escrita, um fator de inegável
apelo e de resultado extremamente direto na codificação de uma mensagem, de
modo que a comunhão entre a arte caricata e a imprensa representou uma aliança eficaz
na construção do discurso jornalístico.
No Brasil, esta imprensa fez significativo
sucesso de maneira que, nas cidades onde o jornalismo mais evoluiu, foram
várias as folhas caricatas que, através do humor, retrataram a sociedade de
então, constituindo-se, portanto, a caricatura, em rico manancial à
reconstrução do passado brasileiro, sob os mais variados prismas seja o social,
o econômico, o religioso, o ideológico ou o político-partidário. Assim,
inserida no quadro de desenvolvimento da pequena imprensa, a prática da
caricatura associava ao discurso crítico um elemento de invocação popular
formidável – a imagem. Associando imagem e discurso, os jornais caricatos
construíram caricaturalmente uma dada realidade, constituindo-se em
significativa fonte de análise histórica, notadamente no que tange aos assuntos
de natureza política constantemente abordados em seus desenhos e textos.
Alves ressalta que a cidade do Rio Grande, o
principal porto marítimo da Província do Rio Grande do Sul, foi uma das
comunidades na qual, durante o século XIX, mais se desenvolveu o jornalismo,
adotando-se por parâmetro tanto o contexto regional quanto o nacional,
constituindo-se as três décadas finais daquela centúria na fase de apogeu das
atividades jornalísticas, circulando nesta época os mais variados gêneros de
folhas, desde as bem estabelecidas financeiramente e perenes representantes da
imprensa diária, até as, em geral, pouco duradouras e de circulação irregular
que, no seu conjunto, formavam o que se pode denominar de pequena imprensa rio-grandina.
Representante desta última, a imprensa caricata constituiu-se num dos gêneros
jornalísticos que passou por significativo desenvolvimento nesta cidade
portuária, surgindo, naquelas décadas, alguns dos mais organizados e duradouros
representantes da pequena imprensa rio-grandina.
Os jornais caricatos eram carregados de
sarcasmo e ironia. A incorporação da imagem ao jornalismo consistiu-se num
considerável fator de sua popularização, podendo atingir até as populações
pouco letradas e mesmo os analfabetos. Além disto, rápidos traços sobre o
papel, muitas vezes, contribuíam para expressar uma opinião de forma mais
objetiva do que através de um longo texto. Através destas imagens pejadas de
ironia e simbolismo, associadas e/ou complementadas por escritos da mesma
natureza, as publicações caricatas tiveram na prática de um humor direto e
incisivo um dos elementos essenciais que marcou o seu norte editorial.
O período entre 1874 e 1893 representou a
fase áurea da imprensa caricata rio-grandina, constituindo-se O Amolador
(1874), O Diabrete (1878), o Marui (1880) e o Bisturi
(1888) nas mais importantes publicações deste gênero. As apreciações
elaboradas por estes periódicos estiveram, de modo geral, carregadas de um
conteúdo crítico, emitindo opiniões sobre os mais variados setores da
comunidade. Estes jornais dedicavam-se a estabelecer juízos sobre a sociedade,
os costumes e os ‘desvios’ sociais, assumindo, muitas vezes, uma posição até
mesmo moralizadora. Quanto aos assuntos envolvendo a política, o comportamento
não seria muito diferente, pois defendiam fielmente idéias e indivíduos e/ou
promoviam censuras que, por vezes, traduziam-se em ataques veementes e até
furiosos.
Destacando-se neste gênero jornalístico, esta
o Bisturi, ilustrado e escrito pelo
caricaturista Tádeo Alves do Amorim, que circulou de forma regular entre 1888 e
1893, prosseguindo em anos posteriores mas com interrupções. A ênfase de
crítica política presente na publicação que acompanha o final da monarquia e os
primeiros anos da República o torna uma referência de destaque. Filiado aos
princípios liberais, o jornal torna-se um inimigo ferrenho dos atos dos
governantes republicanos em nível local e nacional. O resultado foi uma
trajetória atribulada com a sua retirada de circulação durante vários períodos,
especialmente quando da eclosão da Revolução Federalista.
Portanto, o cartunista e jornalista Tádeo
Alves do Amorim, nascido em
Rio Grande em 18 de agosto de 1856, foi o nome de maior
destaque na obra jornalística mais importante e de vida mais extensa no
caricaturismo gaúcho: o Bisturi.
Athos Damasceno (Imprensa Caricata do Rio Grande do Sul no século XIX. Porto Alegre:
Globo, 1962), assim sintetizou sua compreensão da imprensa caricata da cidade
do Rio Grande: “periódicos do gênero caricato, como os que no século passado se
publicaram e gozaram de larga popularidade na Capital da Província, haveria
também de circular com igual aceitação na cidade de Rio Grande. E os que ali
surgiram, no último quartel da centúria, não fariam papel secundário, tanto do
ponto de vista crítico, como do literário e artístico, ao lado dos semanários
humorísticos e ilustrados que em Porto Alegre os precederam ou lhes foram
contemporâneos”.
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