História e Historiografia do RS

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A IMPRENSA CARICATA EM RIO GRANDE





Capas de O Diabrete e de o Bisturi. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.
          Em sua tese de doutorado em História (O Discurso Político-partidário Sul-Rio-grandense sob o Prisma da Imprensa Rio-grandina, 1868-1895) Francisco das Neves Alves analisou diferentes gêneros jornalísticos da cidade do Rio Grande no século XIX. Entre eles, a imprensa caricata.
Para Alves, ao longo da história da imprensa mundial, um dos gêneros jornalísticos que mais sucesso obteve foi aquele ligado à caricatura, pois acrescia a imagem à linguagem escrita, um fator de inegável apelo e de resultado extremamente direto na codificação de uma mensagem, de modo que a comunhão entre a arte caricata e a imprensa representou uma aliança eficaz na construção do discurso jornalístico.
No Brasil, esta imprensa fez significativo sucesso de maneira que, nas cidades onde o jornalismo mais evoluiu, foram várias as folhas caricatas que, através do humor, retrataram a sociedade de então, constituindo-se, portanto, a caricatura, em rico manancial à reconstrução do passado brasileiro, sob os mais variados prismas seja o social, o econômico, o religioso, o ideológico ou o político-partidário. Assim, inserida no quadro de desenvolvimento da pequena imprensa, a prática da caricatura associava ao discurso crítico um elemento de invocação popular formidável – a imagem. Associando imagem e discurso, os jornais caricatos construíram caricaturalmente uma dada realidade, constituindo-se em significativa fonte de análise histórica, notadamente no que tange aos assuntos de natureza política constantemente abordados em seus desenhos e textos.
Alves ressalta que a cidade do Rio Grande, o principal porto marítimo da Província do Rio Grande do Sul, foi uma das comunidades na qual, durante o século XIX, mais se desenvolveu o jornalismo, adotando-se por parâmetro tanto o contexto regional quanto o nacional, constituindo-se as três décadas finais daquela centúria na fase de apogeu das atividades jornalísticas, circulando nesta época os mais variados gêneros de folhas, desde as bem estabelecidas financeiramente e perenes representantes da imprensa diária, até as, em geral, pouco duradouras e de circulação irregular que, no seu conjunto, formavam o que se pode denominar de pequena imprensa rio-grandina. Representante desta última, a imprensa caricata constituiu-se num dos gêneros jornalísticos que passou por significativo desenvolvimento nesta cidade portuária, surgindo, naquelas décadas, alguns dos mais organizados e duradouros representantes da pequena imprensa rio-grandina.
Os jornais caricatos eram carregados de sarcasmo e ironia. A incorporação da imagem ao jornalismo consistiu-se num considerável fator de sua popularização, podendo atingir até as populações pouco letradas e mesmo os analfabetos. Além disto, rápidos traços sobre o papel, muitas vezes, contribuíam para expressar uma opinião de forma mais objetiva do que através de um longo texto. Através destas imagens pejadas de ironia e simbolismo, associadas e/ou complementadas por escritos da mesma natureza, as publicações caricatas tiveram na prática de um humor direto e incisivo um dos elementos essenciais que marcou o seu norte editorial.
O período entre 1874 e 1893 representou a fase áurea da imprensa caricata rio-grandina, constituindo-se O Amolador (1874), O Diabrete (1878), o Marui (1880) e o Bisturi (1888) nas mais importantes publicações deste gênero. As apreciações elaboradas por estes periódicos estiveram, de modo geral, carregadas de um conteúdo crítico, emitindo opiniões sobre os mais variados setores da comunidade. Estes jornais dedicavam-se a estabelecer juízos sobre a sociedade, os costumes e os ‘desvios’ sociais, assumindo, muitas vezes, uma posição até mesmo moralizadora. Quanto aos assuntos envolvendo a política, o comportamento não seria muito diferente, pois defendiam fielmente idéias e indivíduos e/ou promoviam censuras que, por vezes, traduziam-se em ataques veementes e até furiosos.
Destacando-se neste gênero jornalístico, esta o Bisturi, ilustrado e escrito pelo caricaturista Tádeo Alves do Amorim, que circulou de forma regular entre 1888 e 1893, prosseguindo em anos posteriores mas com interrupções. A ênfase de crítica política presente na publicação que acompanha o final da monarquia e os primeiros anos da República o torna uma referência de destaque. Filiado aos princípios liberais, o jornal torna-se um inimigo ferrenho dos atos dos governantes republicanos em nível local e nacional. O resultado foi uma trajetória atribulada com a sua retirada de circulação durante vários períodos, especialmente quando da eclosão da Revolução Federalista.
Portanto, o cartunista e jornalista Tádeo Alves do Amorim, nascido em Rio Grande em 18 de agosto de 1856, foi o nome de maior destaque na obra jornalística mais importante e de vida mais extensa no caricaturismo gaúcho: o Bisturi.
Athos Damasceno (Imprensa Caricata do Rio Grande do Sul no século XIX. Porto Alegre: Globo, 1962), assim sintetizou sua compreensão da imprensa caricata da cidade do Rio Grande: “periódicos do gênero caricato, como os que no século passado se publicaram e gozaram de larga popularidade na Capital da Província, haveria também de circular com igual aceitação na cidade de Rio Grande. E os que ali surgiram, no último quartel da centúria, não fariam papel secundário, tanto do ponto de vista crítico, como do literário e artístico, ao lado dos semanários humorísticos e ilustrados que em Porto Alegre os precederam ou lhes foram contemporâneos”.

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