Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS


Cena do filme Stagecoach. Acervo: Estúdio United Artists. 
  

         Rio Grande também teve o seu ‘Tempo das Diligências’, quando o deslocamento de passageiros e correspondências, além das águas, também era feito por tração animal nestas antigas diligências. Nos Estados Unidos os filmes divulgaram imensamente esta prática dos transportes feitos por empresas como a Wells Fargo (empresa muito venerada pelos pistoleiros do Velho Oeste por transportarem dinheiro). Em 1939, num dos melhores anos da história de Hollywood, foi produzido um western clássico chamado ‘No Tempo das Diligências’ (Stagecoach) com a participação de John Wayne e direção do magistral John Ford. As dificuldades no deslocamento entre localidades norte-americanas, evidenciadas neste filme clássico, permitem uma reflexão sobre o movimento até o extremo-sul do Brasil no ano de 1872. Caminhos precários e alagadiços, arroios que transbordavam e a passagem pela atual reserva ecológica do Taim poderiam fazer parte do cenário que não foi explicitado na matéria que será reproduzida. Ou será que o caminho também poderia ser feito pela beira da praia?
         Ao ler a matéria publicada no jornal Diário do Rio Grande de 18 de outubro de 1872, é possível imaginar um pouco deste cenário trilhado três vezes por mês por uma diligência que saia da cidade do Rio Grande e tinha como destino Santa Vitória do Palmar. O relato instiga a imaginação, porém, não façam uma analogia histórica com o filme de John Ford na parte geográfica (Arizona em comparação com os Campos Neutrais) e do ataque dos índios: não imaginem índios minuanos atacando a diligência ou uma carga da cavalaria dos Dragões do Rio Grande vindo ao socorro!  

RUMO AO EXTREMO-SUL
“A Assembléia provincial. As comunicações que atualmente existem entre esta cidade e a florescente povoação de Santa Vitória. Devendo estar funcionando a assembléia provincial, animamo-nos a solicitar dessa corporação, um serviço em favor do município que não possui vias de comunicação correspondentes ao estado de adiantamento a que tem atingido. Essa bonita povoação está colocada sobre a fronteira com a República Oriental, e, carece ela, da imediata vigilância por parte do governo, que deve cuidar de resguardar esse ponto de qualquer invasão estrangeira, devendo ter ali forças para esse fim. As vias de comunicação, quer terrestres que marítimas, unicamente se facilitam quando há algum resultado; e as terrestres, na estação invernosa, não podem encetar viagens por estarem os terrenos alagadiços, e os arroios se enchem impossibilitando o transito. As embarcações, isto é, os poucos iates que deste porto navegam para aquele, encontram no verão o embaraço do sangradouro, que os demora, muitas vezes mais de mês; no inverno há os perigos da Lagoa Mirim, com as fortes correntezas e ventos, que impedem algumas vezes, fazem essas viagens quando se lhes garante um frete que lhes salve as grandes despesas; por isso não admira que apareça três ou quatro vezes no ano um vapor que aporte àquelas paragens. A comunicação pelo lado marítimo é a que demonstramos sem medo de contestação. Resta-nos demonstrar a terrestre: essa é feita há três anos mais ou menos por uma diligência, que regularmente faz no verão três viagens mensais entre aquela povoação e esta cidade. Essa diligência é atualmente propriedade do sr. Rafael Alegre, estrangeiro laborioso que tem feito grandes sacrifícios para sustentar a sua empresa da qual nenhum lucro tem auferido, mas que a sustenta com a mira de que sua dedicação e esforço, reunidos a sua permanência, possam mais tarde achar compensação, pelo menos da parte do povo que, reconhecendo a necessidade e os serviços que presta essa empresa, mais dela se utilize. E nem pode deixar de ser esse o calculo bem fundado do sr. Alegre, desde que nas três viagens que faz mensalmente a diligência, é difícil conseguir mais do que custear a despesa que faz com as postas e com o grande número de animais, piães, etc, o que atinge a quantia de 400$000 mensais. A importância das passagens, reunida ao que pagam as encomendas que pode levar ou trazer, muitas vezes não compensa as despesas e assim é que ele tem necessidade de equilibrar os meses em que mais lucro possa ter, para poder sustentar essa empresa quando ela pouco faz. No entanto essa empresa presta serviços reais ao comércio e ao governo. Ao governo a quem dá sem a menor retribuição em todas as viagens, um lugar de passageiro, e conduz toda a correspondência oficial. Uma empresa, que presta os serviços mencionados, não merecerá da ilustre Assembléia Provincial uma subvenção de 2:400$ anuais?
É esse pequeno auxílio que o sr. Rafael Alegre pede a assembléia provincial e dessa solicitação já tomou ela conhecimento na sessão de março deste ano. Sem dúvida que a Assembléia não negará tão pequeno auxílio para que não feneça a única e certa comunicação que com ela pode contar a povoação de Santa Vitória e o seu comércio com o Rio Grande. Não pedimos auxílio para uma empresa que se não criou e para aquela parecerá justo o escrúpulo que mostre a Assembléia em concedê-lo: pedimos para uma empresa que tem dado provas, a custa de muitos sacrifícios, da honestidade do seu empresário e da boa vontade com que ele cumpre os deveres que a si mesmo impôs. São pois dois os benefícios que resultarão desse auxílio: a garantia que continuará a empresa e a certeza de que possuiremos uma comunicação certa, durante o ano, com a freguesia de Santa Vitória. O município do Rio Grande é aquele que arrecada maior renda para a província: o município do Rio Grande, na proporção relativa, é talvez aquele menos favores tenha merecido dos cofres provinciais para os quais concorre com grandes cifras. A Assembléia Provincial que tem no seu seio representante que conhece a justiça da solicitação que em nome dos interesses deste município hoje fazemos, pedindo tão pequeno auxílio para a útil e necessária empresa da diligência que viaja entre esta cidade e Santa Vitória. Temos fé que a Assembléia Provincial prestará esse serviço ao nosso município”. 

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