Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

terça-feira, 9 de outubro de 2018

ANÚNCIOS E POESIA



Edição do jornal Comédia Social. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.

A multifacetada imprensa da cidade do Rio Grande é um precioso campo para as pesquisas dos últimos 186 anos da história local com suas inserções/interfaces com a história regional, nacional e internacional.
Uma das abordagens possíveis é a análise do uso da poesia nos jornais. Francisco das Neves Alves no artigo [“Usos e abusos da poesia no contexto da imprensa rio-grandina” In: História & Literatura no Rio Grande do Sul. Rio Grande: Curso de Especialização em História/FURG (Coleção Pensar a História Sul-Rio-Grandense), 2001], discorre sobre uma das apropriações mais incomuns na utilização (e subutilização) da poesia pelo jornalismo caricato foi feito pelo jornal a “Comédia Social”, em sua edição de 13 de maio de 1888. Neste dia foram publicados uma série de anúncios, todos eles versejados.  Segundo o autor, esta estratégia prendia-se à grande carência de matéria publicitária nos jornais caricatos, buscando a folha criar uma alternativa, um diferencial, para atrair os possíveis anunciantes. As propagandas eram dos mais variados produtos, serviços e estabelecimentos, como: mercearia, armarinho, armazém, alfaiataria, farmácia, relojoaria, joalheria, livraria, dentista e lojas de fazendas, calçados e apetrechos de montaria e caça.
Alves enfatiza que poesia “significa ato de fazer algo, portanto, implica a idéia de ação e criação”, no “seu sentido mais vasto”. No entanto, ela envolve outros aspectos como o ritmo, a melodia e uma “linguagem de conteúdo lírico ou emotivo” . Nestes casos em estudo há uma certa esterilidade no aspecto artístico das poesias, nenhuma preocupação com estilo, métrica, escolas literárias e, certas vezes, nem com a própria gramática. Há, isto sim, uma utilização objetiva, direta e pragmática da poesia. O que se pretendia era passar uma mensagem que, ritmada, permitia uma comunicação mais apelativa. Numa analogia limitada pelas discrepâncias cronológicas, mas, ainda assim, válidas, como os jingles, os bordões e/ou os jargões, utilizados pelos meios de informação de massa, contemporaneamente, a poesia visava chamar e/ou prender a atenção e, se possível, alojar-se na memória mnemônica do público leitor, surtindo, em muitos momentos, um efeito mais imediato e incisivo que as longas matérias editoriais ou informativas, constituindo-se, portanto, em excelente estratégia discursiva para os padrões de então, conclui o autor.
Vejamos alguns exemplos destes anúncios publicados há 130 anos:

BRAGA E SILVA
Caixinhas das mais mimosas
Com frutas cristalizadas
Queijo de Minas tão frescos
Que até parecem cocadas!
Açúcar sem competência
Nos preços e qualidade
Por mais que busquem, procurem
Não há igual na cidade                
Biscoitos finos, ingleses
Manteiga nacional,
De um sabor muito agradável,
A 2 e cem por sinal.
E muitos gêneros, todos
Bons, gostosos, delicados
A eles pois quem quiser
Só não se vendem fiados.


AO SANDIM JÚNIOR
Gêneros todos
Superiores,
Sim, pois melhores
Quem é que tem?
Queijos, sardinhas,
Doces, cerveja
Que faz inveja
Sabem a quem?        
 A quem deseja
Querer passar-nos,
E eclipsar-nos
Com seus anúncios,
Mas nós seguimos
Sempre adiante.
Dizendo: - avante,
Salta pafuncios.


ALFAIATARIA LUZITANA
Casimira das mais finas
Sortimento primoroso,
Padrões modernos, à escolha
Do freguês mais caprichoso;
Com máxima brevidade
Se apronta qualquer costume
Que faz morrer aos colegas
Nos anseios do ciúme.                
Tesoura já adestrada
Não teme competidoras,
Pois corta segundo a moda
As roupas mais sedutoras.
Nos preços - negócio a parte -
Ninguém nos iguala, e é certa
A barateza que espanta
Deixando de boca aberta.


RELOJOARIA MASSERAN
Relógios para senhora,
Prá cavalheiros também;
De plaqueta, de prata e ouro,
Como iguais ninguém mais tem.
Pêndulas boas e finas,
Garantidas sem rival,
Relógios para parede,
Correntes de bom metal.             
Também se fazem consertos
Por preços mui reduzidos,
Garantindo que os fregueses
Saem todos bem servidos.
A fama que há muito goza
Esta casa, na cidade,
Bem mostra ser conhecida
Por sua capacidade.


ESTABELECIMENTO DE ANTONIO JOÃO DA EIRA
Ricos e lindos selins
Nacionais e estrangeiros,
Prá montaria de damas
E também de cavalheiros;
Lombilhos e serigotes,
Badanas acolchoadas,
Mantas prá selim e rédeas
Com bem feitas cabeçadas.                
Barrigueiras com espelhos,
Lisas e bem lavradas,
Bons arreios para carros,
Obras mui bem acabadas.
Estribos, bocais, esporas,
Espingardas de dois canos,
Sortimento de cartuchos
E revólveres soberanos.


PHARMACIA MASSERON
Medicamentos modernos
Dos mais célebres autores
Nacionais e estrangeiros,
Não tememos competência
Nos preços nem qualidades;
De xaropes e pastilhas
Temos mil variedades.                
Com prontidão aviamos
Receitas a qualquer hora.
Prima sempre a nossa casa
Em não ter nisso demora.
Farinhas prá sinapismos,
Prá cataplasmas também,
Ungüentos e laxantes
Como iguais ninguém mais tem.


GABINETE DENTÁRIO
Tiram-se dentes sem dor
Trabalho assaz delicado,
Pelos modernos sistemas,
E preço mui moderado.
Vende-se pó Trajanino
Que limpa e embeleza os dentes,
Sendo já reconhecido
Ser de efeitos excelentes.           
Também se atende a chamados
Prá os misteres já sabidos,
Fazendo-se dentaduras
Por preços mui reduzidos.
Das nove às quatro da tarde
Podemos ser procurado
Na rua dos Príncipes, esquina,
Da Zalony, num sobrado.


LIVRARIA AMERICANA
No seu gênero, a primeira
Que temos nesta cidade;
Vende papel, penas, tinta,
Da mais fina qualidade.
Lousas, lápis, livros, lacre,
Papel próprio prá impressão,
Romances, dramas, comédias,
Tudo em conta e em profusão.            
Livros próprios para estudo,
Ditos em branco, poesias,
Poemas de bons autores,
Verdadeiras harmonias.
Também fazem-se cartões
Com presteza e nitidez;
E imprime-se qualquer obra
Ao agrado do freguês.

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