Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 10 de junho de 2018

REGIMENTO INTERNO DA SANTA CASA


A Santa Casa atua em Rio Grande desde 1835, tendo lançado a pedra fundamental do atual prédio no ano de 1850. O Regimento Interno do Hospital da Santa Casa de Misericórdia da cidade do Rio Grande do Sul foi editado em 1860, pela Tipografia Comercial-Rua da Praia 111, e traz interessantes informações sobre como ocorria o atendimento dos pacientes.  Um personagem se destacava na administração do hospital era o Mordomo Interno. A seguir, foram reproduzidos alguns artigos deste Regimento referentes às atribuições deste Mordomo suscitando um exercício de imaginação de como funcionava este estabelecimento hospitalar em 1860.
       
O MORDOMO
“O mordomo do interno é o chefe do serviço econômico e administrativo do hospital, debaixo, da superintendência suprema do provedor e mesa, com as atribuições e limites designados neste regimento. (...) O mordomo do interno é obrigado a residir no hospital desde o amanhecer até as nove horas da noite. (...) Compete-lhe fazer manter a maior ordem nas enfermarias e em todo o estabelecimento, não consentindo rixas ou alterações, nem mesmo conversas em tom tão alto que incomodem a qualquer enfermo que seja. Os infratores serão punidos com repreensão, ou com pena de prisão por vinte e quatro horas, se nesta convier o médico assistente, em cujo caso será notada na papeleta. Os ofendidos haverá recurso para o mordomo do mês, que ouvirá os funcionários que as referidas penas tiverem inflingido; fazer observar nas enfermarias e demais partes do estabelecimento a maior limpeza e bom arranjo, fazendo lavar as enfermarias e pátios todos os oito dias, purificando o ar por meio de substâncias prescritas pelo facultativo, e ventilando diariamente as enfermarias em caso de necessidade; designar um lugar onde os enfermos possam fumar, sem prejuízo dos que o não puderem, e a tal distância que se não altere o ar das enfermarias; não consentir que por pretexto algum os doentes vão à cozinha nem conservem outras luzes além das enfermarias; bem como proibir o uso de fósforos e fumigações dentro das enfermarias e mesmo do estabelecimento; não permitir que  enfermo algum saia a passeio sem prévio consentimento do facultativo, que lhe dará uma nota assinada, em que designe à hora da saída e da entrada; com tanto que à hora das dietas estejam no hospital, e uma vez de volta não tornarão a sair, ainda que não se tenha esgotado o tempo marcado; examinar com todo o cuidado que os gêneros comprados sejam da melhor qualidade possível, fazendo-os recambiar, caso encontre alguma diferença que prejudique a Santa Casa; acompanhar os médicos nas visitas que fizerem aos doentes, a fim de poder tornar efetivas as obrigações que tem os enfermeiros e a enfermaria, de cumprir exatamente as prescrições que aqueles marcarem; assistir à distribuição das dietas de maneira que não haja alteração alguma no que for ordenado pelos respectivos médicos; examinar se as referidas dietas, depois de distribuídas, são trocadas com outros enfermos ou com gente de fora, ou se ajuntam outras substâncias como sejam condimentos, vinhos, espíritos, frutas, etc, não marcadas na papeleta; combinar com os médicos o meio mais adequado, que se levará a efeito imediatamente, de separar os enfermos, já segundo a natureza das moléstias, já segundo a sua condição, de sorte que o escravo não fique na mesma enfermaria do homem livre; proibir que entre para as enfermarias qualquer substância comestível, sólida ou líquida, que não tenha sido prescrita pelos médicos, e não venham pessoas disso encarregadas; não consentir visitas aos doentes, senão às quintas-feiras e domingos, da 1 a 5 horas da tarde; examinar os enfermos que entrarem para o hospital, a fim de arrecadar o dinheiro ou jóias que trouxerem consigo, as quais passarão às mãos do mordomo do mês, sendo do valor de dez mil réis para cima e este as do irmão tesoureiro; entregar ao enfermo um vale com a sua assinatura, para, a todo o tempo que sair da Santa Casa, ou antes, disso por ordem do irmãos provedor, ser-lhe restituída a soma a que tiver direito. Se, porém, trouxerem em moeda ou em jóias importância menor de dez mil réis, guardar-se-á, com número que corresponder ao enfermo, em cofre de duas chaves, das quais terá uma o mordomo do mês e outra o do interno; os comandantes de barcos, os senhores de escravos, os maridos e mulheres, que tiverem no hospital marinheiros, escravos, mulheres e maridos, serão acompanhados nas vistas que poderão fazer extraordinariamente, pelo mordomo interno ou pessoa que este designar, tendo previamente consentido os médicos, a quem cumpre marcar à hora dessas visitas, que nunca deverá ser na ocasião da distribuição das dietas ou na visita médica; haverá no hospital um quarto, sala ou corredor, seco e arejado, para nele serem recolhidos os objetos que os enfermos trouxerem, sem exceção de pessoa; os referidos objetos serão reunidos sob os números que correspondem aos doentes, a quem serão entregues quando saiam com alta do hospital; ou a quem direito tiver, no caso de falecimento; todas as pessoas livres que pagarem o seu tratamento, não são obrigadas a vestir as roupas do hospital, sujeitando-se, porém em tudo mais ao regime da Santa Casa; no princípio de todos os semestres dará balanço às roupas do hospital, verificando a sua existência à vista das que se acharem no depósito geral e em serviço das enfermarias; igual balanço dará nos móveis de todo o hospital e nos utensílios, louça e vasilhame das enfermarias, despensa e cozinha, procedendo-se em tudo na forma do artigo antecedente, e bem assim para se lavrar auto de consumo dos objetos que se acharem inutilizados ou inservíveis; não consentirá que algum objeto do hospital seja dele destraído, ou empregado em serviço alheio, ainda que seja dentro do mesmo hospital; cuidará em que se faça com regularidade e pela forma mais conveniente, o serviço da condução e arrumação dos cadáveres dos que falecerem no hospital, dando as providências necessárias para que os falecidos nas enfermarias sejam, ao sair destas, colocados nos próprios caixões em que tem de ir para o cemitério, etc.”

        Fica evidenciado, que este personagem do hospital da Santa Casa do Rio Grande no século XIX o Mordomo do Interno, estava repleto de atribuições fiscalizadoras e de possível conflito com os pacientes ou familiares. Se a pessoa entrava para tratamento e saía curada, ou entrava para tratamento e saía num caixão vendido pela Santa Casa, o Mordomo deveria acompanhar cada passo e prestar contas ao provedor. O Regimento ainda previa que o seu ordenado não poderia ser aumentado “nem mesmo a titulo de gratificação, senão de quatro em quatro anos ou mais”.

Cartão-postal da Santa Casa de Misericórdia (1900-1910). Acervo: papareia. 


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