Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 13 de julho de 2017

JORNALISMO EM RIO GRANDE NO SÉCULO XIX

          O desenvolvimento histórico em Rio Grande está fundado na localização geopolítica em relação ao Prata e na estruturação de um amplo espaço portuário que possibilitou a expansão do comércio marítimo em nível internacional. A importância da cidade para o comércio de exportação e importação é fator explicativo para eclosão de uma forte imprensa local que buscou se conectar com as discussões econômicas, políticas e sociais do seu tempo. Sem entender a relação porto-comerciantes, não é possível entender a destacada atuação da imprensa que foi se tornou multifacetada em temáticas ao longo do século XIX.     
         Artigo de Francisco das Neves Alves, especialista em história da imprensa, contribui para a compreensão do jornalismo local. “A cidade do Rio Grande e o seu jornalismo: brevíssimo bosquejo histórico acerca do século XIX”. ALVES, F. N. (Org.) In: História e Imprensa no Rio Grande do Sul. Rio Grande: FURG, 2001.  
       Conforme Alves a cidade do Rio Grande teve suas origens ligadas ao projeto expansionista português na região platina, com a fundação, em 1737, do Presídio Jesus-Maria-José. Esta povoação, pioneira da ocupação portuguesa nas terras sul-rio-grandenses, viria a ser fundamental à ocupação desse território, nas disputas luso-hispânicas, ao longo dos séculos XVIII e XIX, até a legitimação definitiva da posse da Coroa Portuguesa. Elevada à Vila em 1747, condição só consolidada em 1751, devido aos trabalhos de demarcação do Tratado de Madri, a localidade foi o primeiro núcleo administrativo do Rio Grande do Sul.
Rio Grande foi elevada à categoria de cidade em 1835 e, durante o século XIX, continuou com significativa importância político-administrativa no contexto sul-rio-grandense, constituindo-se num núcleo eleitoral que abrangia ampla região provincial. Em 1860, quando o Rio Grande do Sul foi dividido em dois distritos eleitorais, enquanto Porto Alegre sediava o primeiro, Rio Grande era a sede do segundo.
           O progresso rio-grandino ao longo do século XIX deveu-se à sua estratégica posição de escoadouro à produção derivada da atividade pecuária que se desenvolvia de modo crescente no Rio Grande do Sul. O Porto do Rio Grande exercia então o papel de “principal porta da Província”, onde se realizava importante comércio de importação de produtos europeus, notadamente ingleses, além de negócios com a região platina e “o comércio interior, de além das fronteiras, o mais lucrativo de que São Pedro gozava” e que se “achava em franco progresso”. Desta maneira, a maior parte da produção pecuário-charqueadora rio-grandense, com destaque para os couros de boi, o charque, os chifres, a graxa, a carne em barris, o sebo e o tutano em bexigas, foi comercializada através do Rio Grande.   O avanço econômico trouxe consigo um crescimento da área urbana da cidade e a busca de um aprimoramento desse sítio urbano, no objetivo de vencer as “dificuldades naturais” impostas pelo ambiente, resultando numa completa transformação do espaço original ocupado pela localidade. Neste sentido, as autoridades municipais tiveram a constante preocupação de “embelezar” e “aformosear” o município, de modo a dar-lhe um “agradável aspecto” e uma “forma elegante, proveitosa e saudável.
          Ao lado do desenvolvimento da economia e do crescimento urbano ocorreu também um incremento de natureza demográfica no Rio Grande do século XIX. No início da centúria, a população era da ordem de duas mil pessoas e, já nos anos trinta, o número de habitantes havia duplicado. Na década de cinqüenta, a população era de aproximadamente treze mil pessoas; e de quatorze mil na década seguinte. E, na virada do século XIX para o XX, havia cerca de trinta mil habitantes na comunidade rio-grandina. Em linhas gerais, a sociedade rio-grandina era constituída, no seu ápice, por uma elite, representada por elementos ligados ao comércio e às atividades pecuário-charqueadoras (proprietários dos grandes estabelecimentos), ou ainda pelos militares de alta patente. As posições dentro desse estrato social algumas vezes tornavam-se difusas e pouco definidas, tendo em vista que poderia ocorrer uma multiplicidade de atividades dentre seus representantes. Já na base da estrutura social estavam os escravos, empregados no trabalho urbano, nas atividades pastoris e na produção do charque. Desenvolveu-se também um estrato social intermediário, o qual não apresentava uma homogeneidade interna, representando setores profissionais diversos, ficando as possibilidades de ascenso social cada vez mais restritas quanto mais primária fosse a atividade desempenhada. Já ao final do século, iniciavam-se os primeiros passos em direção à industrialização, acompanhados, conseqüentemente, pelo surgimento de um incipiente operariado.
         A elite rio-grandina, à proporção do crescimento de seu poder econômico, buscava sofisticar seus hábitos, importando usos, costumes e utensílios europeus. As viagens a Europa eram motivo de orgulho, bem como o envio de filhos para estudar naquele continente, ou pelo menos permitindo-lhes o aprendizado de alguma língua estrangeira. As práticas desse segmento social, na busca de um verniz civilizador, contribuíram de forma direta ou indireta com o aprimoramento de um arcabouço cultural na cidade. Já para uma parcela mais limitada de representantes dos setores intermediários, de acordo com as condições financeiras, foi viável também constituir-se em consumidora de cultura, lendo livros, jornais e revistas, freqüentando teatro ou investindo no aprimoramento cultural-educacional dos filhos. Neste quadro, funcionaram no Rio Grande vários teatros, livrarias e gabinetes de leitura, com destaque para a Biblioteca Rio-Grandense, fundada em 1846, que viria a tornar-se uma das mais importantes instituições culturais gaúchas na propagação da leitura. A educação foi praticada em diversas escolas particulares, bem como houve uma razoável preocupação com o desenvolvimento da instrução pública, apesar dos constantes problemas por ela enfrentados, como a falta de professores, a carência de salas de aula e utensílios utilizados no ensino e a má remuneração dos docentes.

      Este campo de significativo crescimento econômico, avanço urbano, expansão populacional e relativo progresso cultural tornou-se fértil às práticas jornalísticas que evoluíram consideravelmente junto à comunidade rio-grandina, durante o século XIX, e o próprio desenvolvimento da imprensa também serviu a caracterização da cidade como um dos mananciais de civilização na sociedade
rio-grandense. Acompanhando o fato que a cidade do Rio Grande desempenhou papel primordial no contexto sul-rio-grandense, a imprensa rio-grandina foi uma das mais destacadas do Rio Grande do Sul e mesmo do Brasil, tanto pela quantidade, quanto pela qualidade de seus periódicos. Assim, além de ter sido uma das primeiras localidades gaúchas a possuir jornais, o Rio Grande teve algumas das mais perenes folhas em termos provinciais/estaduais, as quais chegaram a circular por mais de seis décadas. Neste sentido, o jornalismo praticado na cidade portuária acompanhou, passo a passo, de modo muito próximo, a evolução do conjunto da imprensa brasileira do século XIX.

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