Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 13 de julho de 2017

A PRIMEIRA POETISA

A imprensa literária em Rio Grande esteve entre as de maior destaque no Rio Grande do Sul na segunda metade do século 19. Porém, a presença de escritos literários em jornais ou em publicações, especialmente poemas, já se fazia desde a primeira metade daquele século. A pesquisa da profa. Maria Eunice Moreira (PUCRS) aprofundou a pesquisa (já reconhecida pela Academia Rio-Grandina de Letras) de que a primeira publicação de poesias de uma mulher no Rio Grande do Sul, foi escrita por uma moradora da Vila do Rio Grande de São Pedro. Sua autora foi Maria Clemência da Silveira Sampaio nascida na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Estreito em 17 de dezembro de 1789, quando esta área pertencia a Rio Grande e hoje faz parte do município de São José do Norte. Quando da invasão espanhola em 1763, a população luso-açoriana da Vila do Rio Grande em parte se fixou nesta localidade que tem teve um grande surto de crescimento econômico fundado na cultura do trigo. Posteriormente, Maria Clemência teve três poemas publicados em jornais “Elogio” (1845), “Saudosa expressão da Pátria” (1847) e “Um sítio de Porto Alegre” (1857).
Dada a relevância do tema, faço a divulgação do artigo “Os versos (quase)desconhecidos de Maria Clemência da Silveira Sampaio” escrito pela profa. Maria Eunice e publicado na revista Letras de Hoje, PUCRS, v.41, n.4, 2006. Trechos são reproduzidos a seguir:

“Instituída pela crítica e pela historiografia literária como a primeira poetisa do Rio Grande do Sul e, ao mesmo tempo, como autora da obra que inaugura a literatura escrita no Rio Grande do Sul, com Poesias às senhoras rio-grandenses (1834), Delfina Benigna da Cunha foi, no entanto, antecedida por outra poetisa riograndina a quem cabe o papel pioneiro na historiografia sulina. Maria Clemência da Silveira Sampaio e seus Versos heróicos, publicados em 1823, no Rio de Janeiro, antecederam em onze anos a obra da autora até então tida como iniciadora da atividade literária na Província sulina. Maria Clemência da Silveira Sampaio, filha de Maurício Inácio da Silveira, um piloto de sesmarias natural da cidade do Rio Grande (RS), e que, em 1814, fora responsável pela execução do Mapa da Real Medição e Demarcação, procedido por Provisão Régia do Tribunal de Desembargo do Passo para limites da guarda e povoação do Serrito, na margem setentrional do rio Jaguarão. Em Porto Alegre, o jovem casou-se com Mariana Joaquina Sam Payo, natural da freguesia de Desterro, da ilha de Santa Catarina, filha de Manuel Marques de Sampaio e Clemência Maria de Jesus. Dessa união, o casal teve dois filhos: Maurício, que nasceu em Porto Alegre, em 22 de abril de 1785, e foi batizado nesse mesmo ano, em 2 de julho de 1789, e Maria Clemência. Com o falecimento do primogênito, e a sucessiva morte dos pais, a menina tornou-se a única descendente e herdeira da família. Foi também em Rio Grande que essa (quase) desconhecida poetisa morreu, em 2 de fevereiro de 1862,  não tendo deixado herdeiros naturais, pois não casou e nem teve filhos.
Uma consulta aos registros de batismo do século XVIII, na Mitra Diocesana do Rio Grande, possibilitou a leitura e a transcrição da certidão de batismo de Maria Clamência. O documento está lavrado nos seguintes termos: Aos vinte e oito dias do mês de dezembro do ano de mil setecentos e oitenta e nove nesta Matriz de Nossa Senhora da Conceição do Estreito eu o vigário encomendado da mesma Francisco Inácio da Silveira batizei e pus os Santos Óleos a Maria filha legítima de Maurício Inácio da Silveira natural e batizado na Matriz de São Pedro do Rio Grande e de Mariana Joaquina de Sam Payo natural e batizada na Matriz de Santo Antônio dos Anjos da vila da Laguna, neta por parte paterna de Mateus Inácio da Silveira e de Maria Antônia da Silveira, naturais da Ilha do Faial e pela materna do cirurgião mor Manoel Marques de Sam Payo, natural do Alentejo, e de Clemência Maria de Jesus, natural e batizada na Matriz de Nossa Senhora do Desterro da Ilha de Santa Catarina nasceu aos dezessete dias do dito mês. Foram padrinhos o dito cirurgião mor Manoel Marques de Sam Payo por procuração que apresentou o Capitão mor Mateus Inácio da Silveira e eu o sobredito vigário. Per verdade fiz este assento. Vigário Francisco Inácio da Silveira.
Versos heróicos, a primeira obra de Maria Clemência, foi publicada em 1823, como um opúsculo de apenas oito páginas, que, pelo motivo da gloriosa aclamação do Primeiro Imperador Constitucional do Brasil, compôs e recitou Maria Clemência da Silveira Sampaio, no baile público, que o comércio do Rio Grande deu na noite do dia da mesma Aclamação.Em 12 de outubro de 1822, D. Pedro foi aclamado imperador constitucional do Brasil9, e, na vila de São Pedro do Rio Grande, na mais extrema Província brasileira, realizou-se uma festividade de aclamação do primeiro soberano brasileiro. A festa é promovida pela classe comerciante do Rio Grande, constituída principalmente por portugueses vindos dos Açores. Entre o grupo feminino, destaca-se uma mulher de trinta e três anos, oriunda de uma família de origem lusitana, que declama uma composição poética de sua autoria, na qual expressa o apoio e o reconhecimento do povo rio-grandense ao jovem monarca. O texto, apresentado sob o título de Versos heróicos, receberá o beneplácito do Império e será publicado no ano seguinte pela Imprensa Nacional, no Rio de Janeiro. O fato tem características especiais: os versos não só registram a contribuição pioneira de um autor do Continente do Rio Grande para a literatura pátria, como são de autoria de uma mulher jovem e culta. Maria Clemência da Silveira Sampaio, a autora do singelo poema dedicado ao Imperador, não poderia supor que os versos declamados nessa ocasião ocupariam um lugar pioneiro na história da literatura de sua Província”.


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