Porto do Rio Grande em 1908

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sexta-feira, 11 de junho de 2021

PERCY SHELLEY

Percy Shelley em 1819. Pintura de Amelia Curran. Acervo: National Portrait Gallery. 


Percy B. Shelley (1792-1822) é um dos maiores nomes do romantismo inglês. Um de seus momentos marcantes é o poema "Ode ao Vento Oeste" publicado em 1819. 

Como estamos no outono, próximos a entrada do inverno e com o olhar já buscando a primavera (como a esperança de um alívio na pandemia...), acredito que a leitura de Shelley tem elementos de identidade contemporânea com a busca de potência e de superação das limitações.     

 


ODE AO VENTO OESTE 

 

I

Selvagem Vento Oeste, ó tu, sopro do outono,

Invisível presença de que as folhas mortas

Fogem como fantasmas diante de algum bruxo,

 

Pálidas, amarelas, pretas ou vermelhas

De febre, pestilentas multidões; ó tu

Que as sementes aladas levas ao seu leito

 

De inverno, onde repousam frias e prostradas,

Como cadáveres nos túmulos, até

Que a tua irmã azul da primavera toque

 

O clarim sobre a terra sonhadora e encha

De cores e perfumes a planície e os montes,

Levando aos pastos do ar rebanhos de botões;

 

Espírito selvagem que por toda a parte

Te moves; destruidor e salvador, oh escuta!

 

II

Tu em cuja corrente, em meio à agitação

Do íngreme céu, as nuvens caem como folhas

Desses confusos ramos – Firmamento e Mar -,

 

Anjos da chuva e do relâmpago, as madeixas

Da tempestade que está vindo se derramam

Na superfície azul de tua vaga aérea,

 

Desde a fímbria sombria do horizonte ao zênite,

Como o cabelo erguido, a rebrilhar, da fronte

Da Mênade bravia, Tu, cântico fúnebre

 

Do ano que está morrendo, para o qual esta última

Noite será o domo de um sepulcro enorme,

Abobadado com a força congregada

 

De teus vapores: atmosfera espessa de onde

Chuva, fogo e granizo saltarão: oh, escuta!

 

III

Tu que acordaste de seus sonhos de verão

O azul Mediterrâneo, onde este era embalado

Pelo rumor de suas correntes de cristal,

 

Na angra de Baía, ao pé de ilhas de pedra-pomes,

E via em sonho velhas torres e palácios

No dia mais intenso da onda estremecerem,

 

Recobertos de musgo azul e de tão doces

Flores, que desmaiamos ao pensarmos nelas!

Tu, a cuja passagem se abrem em abismos

 

As planícies atlânticas, enquanto embaixo

As flores submarinas e os limosos caules

De folhagem sem seiva a voz te reconhecem

 

E de repente empalidecem de pavor

E tremem e despojam-se de todo: oh escuta!

 

IV

Se eu fosse alguma folha morta, que levasses;

Se eu fosse a nuvem célere a voar contigo;

Uma onda ofegando sob o teu poder

 

E partilhando o impulso dessa tua força,

Só menos livre do que tu, ó indomável!

Se eu fosse igual ao que já fui na meninice,

 

O companheiro dessas fugas pelo céu,

Quando vencer tua celeste rapidez

Em nada parecia um sonho; eu não teria

 

Lutado assim contigo, a suplicar aflito.

Como se eu fosse onda, nuvem, folha, oh ergue-me!

Nos espinhos da vida eu caio! Estou sangrando!

 

Um grave fardo de horas encadeou e verga

Alguém igual a ti: rápido, altivo, indômito.

 

V

Tua lira é a floresta, e que eu também o seja;

Ser como as dela as minhas folhas caem, que importa!

O tumulto de tuas fortes harmonias

 

Tirará de nós dois profundo som de outono,

Doce mas triste. Faze-te, bravio espírito,

O meu espírito! Ó impetuoso, sê eu próprio!

 

Leva meus pensamentos mortos pelo mundo,

Quais folhas murchas, e haverá um renascimento!

E, pela força encantatória destes versos,

 

Espalha a minha voz por entre a humanidade,

Como cinzas e chispas de lareira acesa!

Para a terra que dorme, sê, com estes lábios,

 

Oh! a trombeta de uma profecia! Vento,

Se chega o inverno, estará longe a primavera?

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