Porto do Rio Grande em 1908

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quinta-feira, 4 de junho de 2020

MANGUEIRA DE PEDRA


Mangueira de Pedra - Jayme Caetano Braun

    Velha mangueira crioula, curral de pedra empilhada que até o pastor da manada bombeia com desconfiança, ficaste como lembrança da infância desta querência guardando a mesma inocência dos brinquedos de criança!

    Dizem que foi o jesuíta que te ergueu nas solidões, da fronteira, das missões do litoral e da serra para que fosses a encerra das primitivas tambeiras e das éguas caborteiras mais livres que a própria terra! 

    E te plantaram no campo, com metro e meia de altura, meia braça de largura, redonda ou de cantoneiras; quatro varas nas porteiras roliças e descascadas como lanças encravadas no buraco das fronteiras. 

   E, ali, no aberto, aprumada, remendo na cesmaria te irmanaste com serventia ao laço e à boleadeira qual outra nota campeira da nossa Sociologia prenunciando a trilogia: rampão, rodeio e mangueira. 

    Depois, ao berrar do gado e ao relinchar da tropilha viste surgir na cochilha um casarão empedrado e o vulto desempenado, de rampão de rente aberta com santa fé na coberta para um bugre empenachado.

    Era o galpão do Rio Grande, era a estância que surgia vertente da economia do Brasil Meridional com um abraço cordial aberto na natureza exprimindo a singeleza do velho pago natal.

     E se galpão foi o templo da xucra democracia tu foste a arena bravia onde gladiadores novos perpetuaram corcovos uma epopeia sem fim pra que teu rude clarim fosse ouvido noutros povos.

    E na estranha sinfonia de Corcom e de Marquascaço de perra de tiro e de laços nas monarcas dos alpões nas tomas demarcações junto ao fogão da amizade tu foste o traço da igualdade entre endierras e os atrões e tivestes os teus verões. 

   Velha mangueira retaca desde o que há de botar vaca, artes do poema campeiro até o chiru pataqueiro que, para enlevo das chinas fazia rédea das crinas do potro mais caboiteiro.

    O tempo foi se passando, modificou-se a querência mas tu não perdeste a essência pois mesmo de varejão e até mesmo de listão com tronco, seringa e brete o teu vulto ainda reflete a infância do nosso rincão. 

   Aos próprios irracionais emprestas calor e afeto pois mesmo aberta e sem teto és vivenda hospitaleira e a vaca que foi campeira fica por ti enfeitiçada passa o dia na invernada e vem dormir na mangueira.

     Ao evocar-te,Mangueira, volto à piazinho pequeno, pés molhados de sereno e, às vezes, blusa de chiado campiando vacas extraviadas choramingando de nojo pra depois, beber a bojo, com gosto de madrugada. 

    Por isso, não admira Mangueira da minha infância a este pobre pia de estância o que tu significas Como tu, sequei meu pranto mas continuo aporriado até ser emangueirado na terra do campo santo.

*Letra da música que integra o Cd Paisagens Perdidas (1994) de Jayme Caetano Braun. 

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