Porto do Rio Grande em 1908

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quinta-feira, 9 de abril de 2020

A GRIPE ESPANHOLA ENQUANTO CONHECIMENTO PARA O PRESENTE

     O centenário da Gripe Espanhola transcorreu "morno". Lancei um livro sobre o assunto e uma relativa indiferença imperava até na Academia. A pouco mais de um ano atrás a possibilidade de uma pandemia não parecia estar no horizonte próximo. 
     Entre a "indiferença" do final de 2018 e o "patético" abril de 2020 temos dois mundos que parecem não se comunicar: estaremos no mesmo Planeta ou fomos abduzidos para uma Planeta de expiação? 
      A Organização Mundial de Saúde chegou a acreditar que em 2009 a Gripe A (H1N1) seria o temido retorno de uma pandemia devastadora. Felizmente, o vírus não manteve a virulência e a letalidade assumida em seu início e nem quarentena curta tivemos. 
   Chegamos a 2020 e estamos dentro do processo do novo coronavírus sem saber quais serão suas reais consequências em cada país. 
    Estamos descobrindo que diferente da Gripe A ele é muito virulento e mais letal. E ele é muito rápido para se multiplicar e readaptar: pode ter nascido em novembro de 2019 (um caso já investigado na China) e em dezembro há registros de mais casos na China, cujas autoridades perderam algumas semanas preciosas para acender a luz vermelha de que algo muito grave estava acontecendo e emitido um alerta mundial. 
    A globalização turística e dos negócios, por via aérea, fizeram com que sua difusão fosse rápida para a Europa. Cruzar o Oceano e trazer para as Américas este vírus exigiu poucas horas de voo e o contato novas vítimas com estes viajantes (no caso dos que estavam infectados). 
   No dia 8 de abril já são mais de um milhão e meio de infectados (confirmados) e oitenta e oito mil mortos no Planeta. Este é apenas um esboço mínimo de projeções de que o vírus pode contaminar (entre assintomáticos e sintomáticos) quatro bilhões de pessoas nos próximos 12 meses. São cifras difíceis de imaginar, mas, coerentes com a capacidade de contaminação deste vírus (no cenário atual) e frente ao grande número de países em que ele já está circulando. 
    Retrospectivamente, o novo coronavírus já infectava a China entre novembro e dezembro (já ocorrendo pneumonia por "causas desconhecidas" e foi identificada parcialmente a sua sequencia genética no dia 24 de dezembro); na Europa no dia 6 de fevereiro eram apenas trinta e um casos e no dia 6 de abril eram mais de seiscentos e setenta e cinco mil casos e cinquenta mil mortos; os Estados Unidos neste dia 8 de abril contabiliza quatrocentos e trinta mil casos e quase quinze mil mortos; no Brasil o vírus já está circulando desde a terceira semana de janeiro, mas, tem incrementado sua atuação nos últimos dias com dezesseis mil contaminados e oitocentos mortos (e ainda está longe do pico da pandemia que será entre este mês de abril e maio).
    Como pesquisei a Gripe Espanhola pude constatar que o vírus influenza não agia de forma igual, pois devastava comunidades (como no Alasca) e poupava outras. Por vezes, contaminava muito e matava pouco; em outras contaminava muito e era muito letal. Parecia doenças diferentes... 
   O influenza H1N1 que ficou conhecido por Gripe Espanhola tinha limitações em seu contágio: pelo levantamento de fontes considero que em Rio Grande a metade da população ficou doente em 1918 o que representava cerca de 22 mil pessoas. Destas, o vírus matou cerca de seiscentas, ou seja, uma letalidade por volta de 2,8% numa cidade com todas as condições para sua atuação: operariado em condições precárias de existência, problemas nutricionais, alto índice de tuberculose e problemas respiratórios, sistema de saúde público deficitário etc. O influenza H1N1 se abateu em campos militares americanos, com os jovens mais saudáveis dos Estados Unidos, matando milhares destes sem qualquer compaixão. Há lógicas de atuação dos vírus não totalmente esclarecidas. 
      Enfatizo que são vírus de famílias diferentes o "influenza" e o "coronavírus". O que os une são os modus operandi de contaminação por gotículas, reprodução (replicação viral) e promoção de pneumonia. As infecções de trato respiratório são as infecções mais comuns que afetam os seres humanos. 
     Como disse no início desta postagem, vivemos um momento patético de apreensão. Como os processos de experiências podem se converter em aprendizagem para fazer frente a novos enfrentamentos em sociedade, vou publicar uma série de matérias sobre história da Gripe Espanhola e o legado de conhecimentos que este episódio deixou no ano de 1918-1919.    
Doentes de gripe espanhola. Revista Careta, Rio de Janeiro, 2 de novembro de 1918. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 
  

Um comentário:

  1. Professor, a questão da Gripe espanhola sempre foi muito cara a minha família. Meu falecido avó costumava relatar que apenas ele e seu pai haviam sobrevivido em uma família de seis irmãos. A dor de ter todos eles enterrados em covas rasas. Em 1918 ele possuía apenas 6 anos. Nascido na região de Domingos Petroline foi para o centro de Rio Grande. Infelizmente, no tempo em que meu avó viveu, nunca me debrucei sobre o assunto, algo que agora me arrependo. Lembro dos seus relatos sobre como o doutor pulava os muros das casas e ia atendendo seus pacientes e de como sua vida foi difícil depois de perder a mãe e os irmãos para a Espanhola. Gostaria de ir mais a fundo sobre isso e principalmente desvendar quem eram esses irmãos. Poderia me indicar um caminho? Parabéns, como sempre, pelo seu trabalho.

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