Antonio Carlos Sparvoli é o autor de "Liquefeitas rosas vermelhas: origens da medicina científica no Brasil, 1800-1920" (Martins Livreiro-Editora, 21x15cm, 2018, 240p). O Mestre e Doutor em Medicina nascido em Rio Grande e atuando a mais de três décadas no Hospital Universitária da Universidade Federal do Rio Grande, contempla os leitores interessados na História da Medicina com mais uma obra fundamental para o público em geral. Porém, é ainda mais relevante para aqueles que pesquisam o século XIX enquanto um período de afirmação de uma nova ética científica e comportamental que se desdobraria no século XX e a dissolução da crença iluminista da conquista ilimitada da natureza pela ação humana.
Conforme Sparvoli "o século XIX foi um vale fértil - e revoltoso. Houve uma profunda rebelião contra os sistemas tradicionais de pensamento que deu origem a ataques a numerosas crenças e instituições. A vida intelectual no século XIX foi complexa, ousada e pujante. Em poucas décadas, aconteceram mais mudanças impactantes em todos ramos da ciência do que em todas as centenas de milhares de anos precedentes. A razão, filha predileta dos Iluministas, predominou e o método científico iniciou sua obra de modernização da medicina.
No Brasil, o processo foi mais lento e penoso. Uma estrutura arcaica e um misticismo poderoso cerceavam nosso carente povo. Gigantescas provações e devastadoras epidemias nos açoitavam: a peste bubônica, a varíola, a malária, a febre amarela e a sífilis. O Brasil parecia o berço esplêndido dessas pestilências. A tuberculose - a 'peste branca' - ceifava continuamente vidas preciosas. Em 1918, despencava brutalmente sobre nossas cabeças a famigerada gripe espanhola. O Brasil foi denunciado como um 'grande hospital a céu aberto'. Certamente, houve abundância de dor, sofrimento e sangue - as 'Liquefeitas rosas vermelhas' florescidas no peito ardente de nosso povo. mas houve luta incansável, persistência, criatividade e, até, poesia.
Nesse cenário complexo, repleto de mistérios e enigmas, tivemos a origem da ciência médica no Brasil. Respeitosamente, mas sem receios, resgatamos do passado silencioso pelo desconhecimento, os homens e mulheres que, numa era de desespero e esperança, ofertaram suas vidas no altar da sublime arte da medicina vitalizada pelo método científico".
Diferentes temas e personagens são abordados, de Anna Nery a Oswaldo Cruz, da tuberculose a gripe espanhola, mas me chamou a atenção o capítulo sobre um médico da cidade do Rio Grande que se graduou em Paris: Augusto Duprat, denominado de 'um sábio nos pampas'. A trajetória de Duprat é um exemplo das possibilidades de concretização de pesquisas voltadas a contar a história da Medicina em Rio Grande e ressaltar personagens e discussões marcantes que acompanharam as grandes questões nacionais e internacionais: ou seja, a construção da Medicina Social!
Tive a oportunidade de me dedicar a confecção de dois livros: um sobre a gripe espanhola e outro sobre a epidemia de cólera (1855) e me deparei com as amplas possibilidades de interligar o local com cenários mundias semelhantes e com respostas por vezes diferenciadas frente ao fenômeno epidêmico. Busquei quais as percepções das doenças no cotidiano das pessoas e quais as ferramentas do poder público para enfrentar os períodos críticos e fornecer respostas de segurança e sobrevivência das comunidades. As perguntas vão abrindo um leque cada vez maior de questões a serem investigadas envolvendo política, sociedade, economia, mentalidades...
Agradeço ao Dr. Sparvoli pelas citações de duas obras de minha autoria em seu competente livro.
Leitura recomendadíssima para aqueles que acreditam que o campo da História caminha de mãos dadas com o desenvolvimento da Medicina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário