História e Historiografia do RS

quinta-feira, 13 de julho de 2017

RIO GRANDE NA DÉCADA DE 1860

Inúmeros viajantes estrangeiros estiveram em Rio Grande no século XIX. Os relatos sobre a cidade trazem impressões relevantes para fazermos uma visita mental até cenários que não mais existem. O alemão Oscar Canstatt (livro Brasil: Terra e Gente, 1877) registrou sua passagem por Rio Grande ocorrida no final da década de 1860. A agitação portuária e o papel comercial se destacam neste relato.
“Procurei um comerciante alemão, para quem trazia uma carta de recomendação, que me hospedou em sua casa com a cativante hospitalidade que se encontra freqüentemente em países estrangeiros, e o bem-estar que ela proporciona é uma compensação das muitas privações sofridas nas viagens por longínquas regiões. Rio Grande é uma cidade inteiramente comercial, onde quase não se conhecem outros interesses se não os do comércio. Acha-se este na sua maior parte nas mãos de estrangeiros, entre os quais os alemães têm lugar saliente. As maiores casas importadoras pertencem a firmas alemãs, ou pelo menos de origem alemã. A conseqüência natural é que, entre os navios ancorados no porto, grande número arvora a bandeira alemã. Ao longo do cais o movimento é grande. Aí os armazéns das grandes casas comerciais alternam-se com as lojas mais pequenas de maçame e toda espécie de petrechos para navios, tavernas de marinheiros, hospedarias, lojas de todas as espécies de artigos e agências de tudo o que se relaciona com o mar. Montes de couros empilhados e as mantas de carne desenroladas ao sol para secar mostram logo quais são os principais artigos de comércio da província; submetem, porém, com seu cheiro repugnante, o nervo olfativo dos recém-chegados a uma dura prova. O pez, o sebo e o alcatrão amontoados também concorrem para impregnar a atmosfera, na redondeza de um aroma nada agradável. Louros filhos de Albion e negros de carapinha movimentam-se entre esses tesouros, procurando, cada um ao seu modo, ganhar o metal sonante. A cidade é em geral melhor construída e mais bonita do que o que se está acostumado a ver no Brasil, e muitas construções, lojas e instalações de notam certo luxo e abastança. Surpreendeu-me, por exemplo, o elegante salão de um cabeleireiro, que teria tão bem correspondido às exigências de Paris e Viena, como estava correspondendo às de Rio Grande. Os edifícios públicos, ao contrário, eram excessivamente despretensiosos; entre eles só um bonito hospital chamou minha atenção. A extremidade sul da cidade está cercada de alguns fortes, que se destinam à sua proteção contra um ataque pelo lado de terra. Prestam, porém, mais serviços contra o avanço das massas de areia, fora da cidade, que contra inimigos humanos. A convivência, entre si, dos muitos alemães em Rio Grande, como de outros estrangeiros, deu origem, além de aos clubes das respectivas nacionalidades, a uma outra sociedade que se destina ao entretenimento depois da faina e do afã do dia, dos europeus banidos nessa costa arenosa. À noite encontrei lá muitos compatriotas, que com suas histórias me puseram a par de suas vidas no Rio Grande, ora alegres, ora tristes. A despeito de seus vivos protestos, não pude deixar de visitar também o pequeno teatro brasileiro no qual estavam levando Hebraica Actrícia e Mascate italiano, duas peças, nenhuma das quais me compensou do horrível calor que fazia naquele templo da arte. O desempenho, para condições sul-americanas, não foi de todo mau. Nos entre atos distraí-me com o pano de boca ornado com uma reprodução de um quadro da galeria de Versailles: “O sonho da felicidade”, com alguns camundongos que se perseguiam com uma tranqüilidade admirável na cimalha da cornija do teto, e com as toiletes mais variegadas possível do elemento de cor que ocupava diversos camarotes. O recinto do teatro pode ser mais ou menos comparável ao do Wallner Teater, de Berlim, ou ao de um peque no teatro alemão de verão. Impressionou-me desagradavelmente o fumar e cuspir, diante dos camarotes e nos corredores, por um público nada seleto, sem a menor cerimônia. Devia ser meia-noite quando, depois dessa duvidosa diversão artística, pude procurar a cama. Empreguei o dia seguinte em diversas excursões de reconhecimento dentro e em volta de Rio Grande, a pé e a cavalo, que me parece supérfluo descrever detalhadamente, por que o leitor já deve ter formado um excelente quadro do Rio Grande por meio das diversas descrições conhecidas. À tarde tomei novamente um pequeno vapor brasileiro que devia levar-me, pela lagoa dos Patos e pelo Guaíba, até Porto Alegre (...)”.


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