Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

sábado, 15 de julho de 2017

RIO GRANDE E A SENTINELA DO SUL

O jocoso semanário ‘A Sentinela do Sul’ editado em Porto Alegre, trouxe em seu primeiro número com data do dia 7 de julho de 1867, um breve comentário sobre a cidade do Rio Grande. É um suposto diálogo entre um rio-grandense (como eram chamados os moradores nativos da cidade antes da troca por rio-grandino na década de 1930) e um viajante. É claro que o autor tinha uma relação ácida com Rio Grande e o suposto diálogo imaginário é o seguinte:
“Viajante: Com que esta é a cidade do Rio Grande? Bonita não é.
Rio-grandense: mais vai ficar; vamos ter ruas macadamizadas, um jardim de recreio com lindas árvores na praça municipal, um cais de ferro no litoral,  iluminação a gás, encanamento de água, telégrafo, caminho de ferro para Pelotas e arborização dos comoros.
Viajante: é muita coisa por junto, quando a esmola é grande, o pobre desconfia. Mas enfim, enquanto estes benefícios não estiverem realizados, o que é que vocês tem?
Rio-grandense: Temos areia com fartura, lama quando chove, pó quando faz sol e aromas aromáticos a noite, quando se passeia na rua da Boa Vista e do Canal.
Viajante: E tem bonitos passeios fora da cidade?
Rio-grandense: Temos um que é lindo.
Viajante: Para onde é?
 Rio-grandense: Para o cemitério...
Viajante: Para la não quero ir ainda”.

Traduzindo na perspectiva histórica o irreverente diálogo, típico da imprensa desta época, é possível fazer os seguintes esclarecimentos: ruas macadamisadas refere-se ao sistema de calçamento com três camadas de pedra inventado pelo engenheiro escocês John McAdam por volta de 1820 (daí a palavra macadâmia). Em Rio Grande, devido a falta de rochas, as primeiras e tímidas iniciativas de calçamento remontam entre 1856-1862. Somente a partir de 1874, os calçamentos na área central são ampliados e o sistema não era o macadâmia; jardim de recreio com lindas árvores é uma referência a atual Praça Xavier Ferreira que recebe obras relevantes na década de 1870. O cais de ferro do litoral é a obra do primeiro cais de concreto que ocorreu entre 1872-1876. Encanamento a gás são obras que ocorreram, na área central na década de 1870 e os primeiros encanamentos de água surgem entre 1874 e 1878 com a Companhia Hidráulica (responsável pela instalação de 4 chafarizes). A linha férrea ligando Rio Grande a Bagé e passando por Pelotas, foi inaugurada em 1884; a visita a cemitério poderia ser feita desde o final de 1855 mas a permanência por tempo indeterminado no local era realmente indesejada...

Portanto, nas décadas de 1870-80, a cidade realmente recebeu vários serviços urbanos em sintonia com a modernidade da época e não realizando a profecia pessimista do autor do artigo. É claro que foram soluções restritas a pequenas áreas mais privilegiadas e com soluções parciais dos problemas. Já as críticas relativas ao mau cheiro ‘aromático’ do cais da rua da Boa Vista (atual Riachuelo) e da rua do Canal (atual Barroso), não tiveram solução rápida. Também o pó, o deslocamento da areia e a formação de barro e lodo, persistiram afligindo a maior parte da urbe. Especialmente, com o crescimento industrial a partir da década de 1870 até o final do século 19, aumentando muito a população e trazendo inúmeros problemas de salubridade. O irreverente artigo publicado na imprensa de Porto Alegre evidencia uma forma de atuação da época: através do deboche e da irreverência se criticava os problemas urbanos.  

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