História e Historiografia do RS

quinta-feira, 13 de julho de 2017

O GRANDE TEMPORAL

Montanhas voadoras de areia (1852). Hermann Wendroth. 


O temor da cidade ficar soterrada pelas dunas de areias que a circundavam é uma das histórias do medo nos séculos XVIII e XIX. Um dia de fortes ventos que tivesse persistência pela madrugada, no breu da noite em que o horizonte perde sua nitidez e as águas se misturam com as dunas, era um dos terrores noturnos. Quantos pesadelos os moradores não tiveram e que se tivessem sido relatados preencheriam infinitos diários! Em meio à natureza da planície costeira, a urbanização incipiente não passava de um pequeno ponto cercado por um turbilhão de areia circundada de água doce e salgada. A cidade parecia intrusa, tentando tal qual um caranguejo, se firmar nas areias movediças que a tudo repeliam.

Aquele dia 2 de outubro de 1833, na memória de quem aqui morava, foi um destes dias em que a força da natureza se traduziu em terror humano. O dia já amanheceu, apesar da ausência do Sol, com um calor excessivo e um vento brando do noroeste que persistiu até as quatro e meia da tarde. Conforme o jornal O Noticiador (do dia 7 de outubro de 1833): “repentinamente se levantou uma ventania tão forte que, se durasse mais tempo, teria esta vila de ser destruída na maior parte de seus edifícios, ou de todo submergida. Àquela coluna de vento julgamos que subsistiu cinco minutos, e a areia que circunda a vila por uma parte, voou por toda ela de tal modo que nuvens de semelhante terra movediça a circularam a uma distância incrível que parecia noite. De todas as casas, altas e baixas, destruiu mais ou menos os telhados e lançou por terra grande número de muros, algumas de parede dobrada feita a cal, arrancou arvoredos, quebrou vidraças, grande parte das telhas arremessadas do vento sobre as que estavam fronteiras, derrubou algumas pequenas casas, arremessou ao mar próximo e cobriu de areia grande quantidade de roupa que estava estendida no lugar onde se costuma lavar, e só neste gênero, causou considerável prejuízo. No mar, dizem que se viraram algumas pequenas embarcações, que morreram algumas pessoas, o que ainda não está bem averiguado. Abrandou muito e com a mesma rapidez o vento. Seguiu-se uma grossa chuva de grande pedras, algumas de peso de uma onça (28,3 gramas), que também concorreu para a quebra das vidraças, e passando algum espaço cessou, continuando toda a noite a chuva ordinária e o vento”.
Felizmente, apesar do susto dos fortes ventos terem formado um turbilhão de areia que trouxe a escuridão e que fez lembrar a imagem de um tornado, no dia seguinte o Sol voltou a raiar e o trabalho secular de reconstrução foi retomado em meio aos relatos individuais dos danos sofridos e das apreensões. Sempre deveria vir à tona a oralidade de alguma história ancestral: “meu avô contava que o temporal de 1790 foi devastador...”.

Neste mesmo ano de 1833, o francês Arséne Isabele esteve em Rio Grande e também deixou relatos dos temores da população em relação às dunas que ameaçavam a Vila do Rio Grande e que ele acreditava que poderiam encobrir completamente a localidade. Registros anteriores são enfáticos em evidenciar que muitas casas da cidade ficavam completamente encobertas pelas areias e muitas vezes tinham de ser abandonadas. Muitas das histórias dos antigos moradores foram gestadas em meio ao som glamurosamente aterrador do encontro do vento e da areia, formando as memórias da temporalidade local.

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