História e Historiografia do RS

terça-feira, 11 de julho de 2017

A PESCA EM RIO GRANDE NA DÉCADA DE 1880


            O alemão Hermann Von Ihering (1850-1930) chegou ao Brasil em 1880 fixando residência em Rio Grande nos anos de 1884-5. Formado na Alemanha nas áreas do conhecimento da filosofia, medicina, antropologia e história natural, Ihering deixou uma vasta contribuição científica em seus mais de trezentos artigos publicados. O livro A Lagoa dos Patos no século XIX na visão do naturalista Hermann Von Ihering. (Rio Grande: Ecoscientia, 2003, p. 24-27, tradução de Clarisse Odebrecht), resgatou três artigos voltados ao Rio Grande do Sul, especialmente, referentes à Lagoa dos Patos. Com o objetivo de divulgação, foi selecionado do livro a parte referente à importância da pesca para a cidade do Rio Grande na primeira metade da década de 1880.

A PESCA E A EXPORTAÇÃO DO PESCADO

Conforme o relato de Ihering, “a costa da Província (de São Pedro do Rio Grande do Sul) é rasa e arenosa; ela não oferece abrigo para os navios, nem mesmo nas proximidades de Rio Grande, razão pela qual não existe uma verdadeira pesca costeira, e os pescadores, com os seus barcos frágeis, afasta-se somente raramente, e não muito, da barra. Assim, a pesca, que é sempre o resultado de vários pescadores atuando em conjunto, dá-se principalmente no Canal do Norte desde a barra até próximo do Rio Grande, e nas enseadas que são uma extensão da lagoa, por exemplo, o Saco da Mangueira. Para cada um dos principais tipos de peixe que são capturados, existem diferentes tipos de redes. Faz pouco tempo, a Câmara Municipal do Rio Grande sancionou uma lei, segundo a qual, durante a época principal de reprodução, no verão, somente poderiam ser utilizadas as redes de malhas grossas. Excluída dessa lei foi à rede de camarão, a mais fina de todas, pois é utilizada principalmente próxima às margens em locais arenosos e arrastada para a terra. As redes são produzidas pelos próprios pescadores, feitas de fio Rússia, ou de fibras endêmicas, especialmente das folhas fibrosas de uma palmeira arbustiva espinhosa, o tucum (Astrocarium vulgare). Embora essa planta também exista na Província do Rio Grande, onde era utilizada em tempos mais antigos pelos índios como matéria-prima para as cordas de seus arcos, ela não é aproveitada pelos pescadores; o tucum por eles utilizado provém de Pernambuco. Além disso, são utilizadas para a fabricação das redes as fibras das folhas de Pita, uma bromeliácea grande e não rara na parte mais ao norte da costa do Rio Grande. Os pescadores dos poucos e pequenos locais na parte norte da região costeira do Rio Grande, como Tramandaí, Cidreira, entre outros, utilizam preferencialmente a pita para a fabricação das redes, da mesma forma como os de Santa Catarina. Cada rede é normalmente denominada de acordo com o tipo de peixe para o qual se destina como, por exemplo, rede de dainha (tainha), rede de cascuda, etc. É notável que os pescadores assim já podem julgar com antecedência o que querem ou vão capturar. Em alguns casos, como, por exemplo, para as dainhas (pronúncia da-inja) que aparecem em grande quantidade em maio, a escolha da rede é determinada pela época do ano. Para o bagre e a miraguaya, a época para a pesca é o inverno e primavera, respectivamente. Alguns peixes denunciam a sua presença pelo ruído, especialmente a miraguaya e a corvina. É bem conhecido que a primeira emite sons estranhos, que chamam mais a atenção quando o peixe se encosta na embarcação. Mas também se pode ouvir o ruído estranho que esses peixes soltam em maiores profundidades, o qual serve de orientação para os pescadores. Como eles próprios afirmam, o som da miraguaya é um “bum bum” abafado, enquanto o da corvina soa como “chrrr chrrr”. Os primeiros não retumbam pelas manhãs, somente desde o meio dia até a noite, razão pela qual somente se vai à sua procura à tarde e à noite.
A rede de miraguaya tem o comprimento aproximado de 50m. Com anzóis somente se captura o bagre. Em cada anzol das linhas utilizadas para a captura são presos caranguejos (Hélice granulata, o denominado catanhão), os quais são encontrados em grande quantidade nas margens pantanosas, principalmente de enseadas mais abrigadas da lagoa e com pouco declive, cobertas de gramíneas. No Guaíba, onde os bagres são capturados em dezembro e janeiro, durante a época de sua reprodução, e não existe aquele caranguejo, os pescadores utilizam os grandes ovos secos do peixe como isca para os anzóis. O bagre protege os ovos de modo peculiar, pois leva à boca os ovos enormes, do tamanho de uma cereja, e os mantém lá até a eclosão dos juvenis. Como R. Hensel já relatou a esse respeito, eu só tenho a complementar que esse cuidado à prole é assumido exclusivamente pelas fêmeas.

O MERCADO PÚBLICO
O mercado do Rio Grande dispõe de peixes todos os dias, com exceção, naturalmente, de dias com muita chuva e trovoada, quando o trabalho na água é impossibilitado. Freqüentemente, todas as secções do mercado, que são muito limpas, estão repletas de peixes, e um bom controle cuida para que somente os peixes realmente frescos acabem sendo vendidos. Além disso, existem quatro a cinco grandes companhias de pescado, que não trabalham para o mercado, mas sim para a exportação. Na maior parte delas, cujo proprietário é o Arranco, tenho colhido muitas informações interessantes, que são a base para os dados que seguem. Como me foi impossível conseguir dados da alfândega a respeito da quantidade de produtos de pescado exportada, fiquei muito contente em conseguir, ao menos, as indicações do pescador Arranco, as quais se baseiam meramente em estimativas, mas com a vantagem de proceder da pessoa mais competente para o assunto. Toda a figura deste pescador é grande, sólida e limpa, e sua companhia é a mais significativa no Rio Grande não somente pelo seu movimento, mas também em relação aos cuidados de limpeza, e por ter uma administração excelente. A maioria dos produtos capturados são embalados em barris ou tonéis e enviados para o Rio de Janeiro, Bahia ou Pernambuco, mas em parte também para Montevidéo, principalmente os camarões. Os produtos destinados ao Rio de Janeiro são levados normalmente em barcos a vapor (2$000 Rs. de frete por barril), e os para a Bahia e Pernambuco são embarcados em navios a vela”. 

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