História e Historiografia do RS

terça-feira, 11 de julho de 2017

A NOIVA DO MAR

O ano de 1937 foi marcado em Rio Grande por grandes festejos comemorativos do bicentenário de fundação da cidade. No dia 19 de fevereiro de 1937, o jornal Rio Grande reproduziu a matéria de um jornal carioca que evocava Rio Grande como a Noiva do Mar. Neste mesmo ano, há dez de novembro, teve inicio o Estado Novo. A matéria ressalta Getúlio Vargas, mas critica o centralismo político-administrativo no Império brasileiro, o que deve ter causado um grande constrangimento quando do início do centralismo estadonovista. Passados setenta anos destas comemorações, é interessante observar o discurso do jornal a respeito do momento histórico vivido pela cidade do Rio Grande.

O OLHAR CARIOCA
            “A Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro que projeta na história do jornalismo brasileiro a glória de 63 anos de uma vida de atuação, de brilho e valimento altíssimos, dedicou ao Rio Grande do Sul, a 17 de janeiro (1937) findo, uma edição especial de 88 páginas, repletas de texto escolhido de atualidade e interesse, e nítidas e variadas ilustrações, além daquelas que figuram no suplemento, ótimo trabalho de rotogravura.
            Ali figura a cidade do Rio Grande, evocada numa larga página sob todos os seus aspectos políticos, econômicos e sociais, com clichês ilustrativos, além daqueles que lhe cabem numa página do suplemento. É a seguinte a introdução dessa brilhante reportagem da velha e conceituada folha carioca sobre a nossa cidade: ‘A cidade do Rio Grande é para o Rio Grande do Sul o que a cidade de Santos é para São Paulo. Porto marítimo de primeira grandeza, com extenso cais acostável, aparelhado modernamente, o Rio Grande pode satisfazer perfeitamente a todos os requisitos de sua finalidade como o porto marítimo mais setentrional do nosso território. O Rio Grande é, além disso, uma cidade formosa e encantadora muito bem construída, possuindo belas praças e avenidas arborizadas.
            Os gaúchos a chamam com muita propriedade, a Noiva do Mar. A população rio-grandense tem a exata consciência de semelhantes responsabilidades, e por isto mesmo apóia moral e materialmente com justo zelo citadino, as iniciativas de inteligência e boa vontade dos seus administradores e servidores, no sentido de por a cidade à altura daquela missão que não é histórica, mas é geográfica.
            O Rio Grande sabe que é e procura sê-lo condignamente, a sala de espera do Rio Grande do Sul. A frase não é, de certo, nova, mas é nossa porque é de toda gente. Ao dizê-la, ali em 1928, agradecendo o banquete da cidade ao presidente eleito do Estado, já o sr. Getúlio Vargas repetia uma velha frase, fazendo-o, embora, por motivo novo, e muito grato aos locais, pois, o fez para afirmar que semelhante circunstância impunha à localidade a atenção especial do governo estadual. Os filhos do Rio Grande e, pois, duplamente rio-grandenses, como amavelmente lhes dizia, daquela mesma, o hoje eminente chefe do Governo da República, se tem, de feito, esforçado, em bom êxito, no duplo objetivo de servir a cidade e ao Estado, por manter aquela dentro do ritmo do progresso acelerado e incessante de toda a vasta extensão do pampa brasileiro.
Nos primeiros tempos da sua quase bi secular existência, o Rio Grande teve de desenvolvimento moroso, como era, aliás, natural, e irregular, ao sabor das campanhas que encheram as eras primevas do Rio Grande do Sul e outros fatores históricos. No primeiro reinado, e princípio do segundo, viu, como todas as cidades brasileiras, o seu progresso obstado, ou dificultado grandemente, pelo menos, no defeito do regime da centralização. Nos últimos tempos da monarquia, quando a influência dos partidos começou a atenuar os males daquele sistema, obrigando-se mutuamente a, quando no poder, fazer alguma coisa o Rio Grande, em que atuavam influentes chefes conservadores e liberais, como os médicos Vieira de Castro e Pio Ângelo da Silva, aproveitou a sua fatia. Homens cultos e esforçados passaram, então, pela vereança da cidade, sendo elevados por seus pares a presidência da Câmara Municipal como Marcolino da Rosa, Antonio Mostardeiro, Antonio Chaves Campello, cada qual trazendo uma nova conquista, calçamento, iluminação, cais etc.
Com a República, a velha, é que começou, o Rio Grande novo. A transformação fez-se paulatinamente, mas, seguramente. Sem saltos, sem desequilíbrios. Sacudia-a, de quando em quando, uma política local vivaz, irrequieta. Até 1916 nenhum dos seus intendentes chegara ao fim do mandato. Às vezes, verdade é, a causa não era a política. Eram outras fatalidades... inclusive a morte... A intendência ganhará, até, a má fama de cadeira fatal. Mas isto, hoje, é história antiga. Como quer que seja, nenhum intendente deixou a função por desonesto, pois, todos foram guardas fiéis dos dinheiros públicos e cada qual trouxe a sua pedra à construção da ampla e bela cidade que é o Rio Grande, onde se tem essa grata sensação de desafogo, de poder de expansão que é característica das cidades que detém portos marítimos. O Coronel Augusto Álvaro de Carvalho, transformando, em 1895, o lagoão da Geribanda nesta praça admirável que é, hoje, a praça Visconde de Tamandaré. O dr. Juvenal Octaviano Miller, criando o Ginásio Municipal Lemos Júnior e fazendo o estudo e a primeira tentativa para dotar a cidade do serviço de esgoto. O dr. Trajano Lopes, retificando ruas, modernizando praças, etc.
O período intensivo da transformação urbana do Rio Grande começou, porém, com a administração municipal dos drs. Alfredo Soares Nascimento, que cuidou da higiene e da instrução dotando o notável estabelecimento de ensino secundário que é o Lemos Júnior do edifício e instalações modelares que ora o serve, e pondo em execução o plano de saneamento da cidade, deixando pronta grande parte central do serviço de água e esgotos; João Fernandes Moreira, que ativou a ação de todos os ramos da administração pública, continuou e ampliou as obras de água e esgotos, iniciou a construção do grande canal de drenagem do boulevard Carlos Pinto, iniciou a construção da estrada de rodagem Rio Grande-Cassino e construiu uma nova cadeia civil; e Antonio Rocha de Meireles Leite, último intendente e atual prefeito do Município, que tem mantido, desdobrando-a em novos e numerosos melhoramentos urbanos, a ação realizadora dos seus antecessores imediatos.

O trabalho fecundo desses últimos administradores permitiu que a República nova viesse encontrar o Rio Grande já novo, com as finanças equilibradas, com relativo desafogo econômico. O repórter que ali chega, como chegamos, com olhos de querer ver, é o que vê, desde logo. E se leva cem tiras e mão disposta a dar ao lápis, pode prová-lo, facilmente. É o que vamos fazer.” 

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