História e Historiografia do RS

quinta-feira, 13 de julho de 2017

A GÁRGULA DO CARMO

             Desde o ano de 1938, uma estranha ave/criatura tem sido avistada sobrevoando a cidade! A data remonta à inauguração da igreja do Carmo que foi construída em estilo neo-gótico. Inspirada na igreja gótica de Burgos (Espanha) o Carmo é uma obra da arte arquitetônica que ao longo dos anos ficou espremida entre prédios e estruturas remanescentes de um florescente passado eclético e neoclássico (que estava no auge a cerca de um século atrás) e que hoje são ruínas decadentes, cercadas pela falta de estilo arquitetônico que no presente se resume a um amontoar de tijolos e a um caiar de cal, num conjunto de aberrações estéticas. O Carmo, assim como outras igrejas de inspiração gótica, teve suas gárgulas para lembrar aos fiéis que o diabo pode estar sempre presente no cotidiano.
             Não pensem que as gárgulas não convivem com a humanidade a milhares de anos! Antes da criação do estilo gótico no século XII e do uso das gárgulas nos beirais dos telhados para escoamento das águas das chuvas e como símbolo de proteção contra as legiões diabólicas, as gárgulas viviam nas florestas junto com inúmeros outros seres resultado da evolução natural e surgidos num passado distante. Podem ser uma adaptação miniaturizada dos extintos pterodáctilos, sendo tudo especulação paleontológica. As gárgulas podem viver por mais de 300 anos e a que aqui chegou em 1938 passou a imitar a posição das 5 originais em concreto. Era ainda jovem quando voou da Catedral de Burgos até um navio espanhol que cruzou o Oceano Atlântico até se deparar com Igreja do Carmo. Seu objetivo era Buenos Aires, mas em sua escala em Rio Grande, ao se deparar com a familiar Igreja do Carmo ela acabou se apaixonando pelo belíssimo prédio e pela visão das águas que cercam a cidade do Rio Grande. Os antepassados desta gárgula remontavam ao ano de celebração da primeira missa na catedral de Burgos em 1231.
           Tão estranha migração faz parte da natureza destes animais: passavam a maior parte de sua vida em regiões distantes e sem outros de sua espécie por perto, pois os seus companheiros eram cheios de simbologias cristãs, sendo de fato eram feitos de concreto e não de carne e sangue. Elas absorvem a solidão de olhar do alto os seres humanos, que pareciam formigas cumprindo sua labuta diária de sobrevivência em meio a situações tragicômicas e outras vezes vivendo na dualidade opulência e miséria material/existencial. Observava atentamente os seres humanos olharem para as torres das catedrais implorando misericórdia divina para seus pecados e pedindo para ser prolongado o seu tempo de existência terreno.
              É um animal bem-vindo, pois se alimenta dos enormes ratos que imperam nas madrugadas junto às docas do cais. Na Praça Tamandaré carrega em suas patas ratazanas avantajada que já tiveram extensiva prole. Já foi avistada em madrugadas de lua cheia carregando boêmios que tropeçavam pelas ruas desertas depois de noites passadas em butecos e prostíbulos. A gárgula sobrevoava o Cais do Porto Velho, cruzava a Lagoa dos Patos e pousava no telhado do casarão da Ilha da Pólvora para devorar sua vítima. Nenhuma maldade, sadismo ou satanismo, apenas a fome visceral das madrugadas solitárias de estômago vazio! No local mais isolado desta pequena ilha ela lançava o resto de sua refeição formando um cemitério sem lápides e sem identificação fadado a permanecer ignorado pela dinâmica natural dos marismas.   

*PS. Durante o dia fotografei as seis gárgulas do Carmo e na fotografia que tirei na madrugada havia apenas cinco!  (crônica tirada do livro Histórias Irreais do Rio Grande).

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