História e Historiografia do RS

domingo, 10 de novembro de 2019

RECONQUISTA LUSO-BRASILEIRA

Plano do Rio Grande de São Pedro (1777). Biblioteca Nacional de Portugal.


A conquista espanhola da Vila do Rio Grande (1763-1776) sofreu um revés decisivo em abril de 1776 quando o Exército do Sul, comandado pelo Tenente-General Johann Heinrich Böhn, reconquistou para a Vila para os portugueses. Acontecimentos de grandes dimensões para o período como a arregimentação de mais de 4.000 soldados no atual município de São José do Norte com o objetivo de retomar a Vila, desdobrou-se em ataque terrestre e em combate naval. O diário e as cartas deixadas pelo comandante Böhn é uma das principais fontes para investigar o período.
         Na Vila do Rio Grande o efetivo de militares espanhóis era de cerca de 1.500 homens de terra, possuindo ainda 8 navios e vários fortes estendidos ao longo do canal: Forte da Vila (Jesus-Maria-José), Ladino, Mangueira, Triunfo, Trindade, Novo, Mosquito e Barra. Os luso-brasileiros possuíam um efetivo de terra e mar de 4.385 homens e 12 navios, com fortificações no canal do Norte.
O ataque começou às três horas da madrugada do dia 1 de abril de 1776 e buscava anular a resistência dos fortes espanhóis e invadir a Vila do Rio Grande fazendo um grande número de prisioneiros. Os espanhóis são derrotados no ataque aos fortes e preferem uma rápida retirada na madrugada do dia 2, promovendo incêndios, levando todo o gado e cavalhada, impedindo desta forma, que as tropas luso-brasileiras os perseguissem em sua fuga. Na tarde do dia 2 os portugueses reconquistavam a Vila do Rio Grande. As cartas escritas pelo comandante das Tropas do Sul Johann Heinrich Böhn ao Vice-Rei Marquês do Lavradio possibilitam resgatar os desafios de restabelecer a ocupação urbana e a defesa militar da Vila do Rio Grande nos primeiros dias que seguiram a retomada do dia 1º de abril. Um local abandonado às pressas pelos espanhóis, em grande parte destruído e infestado por ratos foi o cenário encontrado. Böhn, assim observou estes episódios, que serão aqui reproduzidos apenas no relato a partir do dia 1 de abril de 17776 até o mês de junho do mesmo ano. Esta reconquista foi o marco inicial para que o Rio Grande do Sul edificasse o atual mapa de seu território. Vejamos um trecho do relatório:
“Abril, 1 (Dia do ataque a Vila do Rio Grande). A primeira parte foi executada pontualmente e, com a ajuda de Deus, sem grandes perdas nem desordens, apesar da multidão de pequenos barcos e da largura deste rio. Antes do amanhecer, nossos granadeiros já eram senhores dos objetivos – os dois fortes. O do Mosquito foi tomado em primeiro lugar. Ali perdemos 2 granadeiros de Estremoz e um artilheiro e tivemos oito feridos. Os espanhóis tiveram três mortos, 11 feridos e 16 prisioneiros. Os restantes escaparam. Entre os feridos encontravam-se o capitão-comandante, um tenente e dois cadetes. O Brigadeiro Chichorro teve, após saltado em terra, uma contusão na coxa direita, consequência de um tiro partido de um dos navios espanhóis que fugiam; mas sem perigo.
Na tomada da Trindade só tivemos um soldado do Regimento de Moura, ligeiramente ferido. Os espanhóis tiveram 1 morto e 14 feridos, entre os quais o capitão-comandante e somente 2 prisioneiros; o restante escapou. O Tenente Joaquim Gomes fez uma série de tiros de canhão sobre o Forte da Mangueira, de tal forma que, apavorada, a guarnição do forte evacuou antes de 8 horas e se retirou, passando do Forte da Mangueira para a Vila de São Pedro.
A Esquadra espanhola vendo-se entre dois fortes, antes seus protetores, agora seus inimigos, não esperou o dia raiar. Cortou seus cabos e se pôs à vela antes que se pudesse ver as coisas. Procurou salvar-se pela fuga. Mas foi tão infeliz que três de seus melhores navios se perderam num banco de areia, pouco abaixo de seu Forte da Barra. Tentaram afastar-se demais de nossas baterias do Lagamar e da Nova, que não ficaram inertes. (...) Viu-se, à tarde, para os lados da Vila de São Pedro, um grande fogo. Ao pôr do sol viu-se claramente que eles puseram fogo também no Forte do Ladino, apenas acabado. Ele queimou com violência extraordinária. Todo este procedimento mostrava claramente que eles tinham intenção de se retirar. A guarnição do Triunfo se foi também às 5 horas da tarde. Depois da meia-noite, viu-se um grande fogo em seu Forte da Barra, que durou até o amanhecer.
2 de abril de 1776: Atravessei o rio em bote. Ao chegar ao Mosquito, às notícias que aí me deram confirmaram a minha opinião de que o Forte da Barra havia sido evacuado. Mandei tomar armas uma Companhia de Granadeiros e fui direto ao forte, com uma peça de 3 libras. (...) Não encontrei espanhol algum, nem no caminho nem no forte. Ali foi difícil entrar porque uma parte dos quartéis queimava ainda. A casa da pólvora tinha ido pelos ares. As plataformas e as carretas ou rodas das peças meio consumidas, exceto o bastião à esquerda de quem entra, onde o fogo não havia pegado. Fui com o Marechal Funck e o Tenente-Coronel Ribeiro, que tinham vindo comigo, com o Comandante Hardecastle, que veio depois, e com o Major Manuel Soares Coimbra, até a muralha. Mesmo com dificuldade, nela levantamos um mastro com a bandeira portuguesa. Colocamos a peça de 3 sobre o parapeito dando a salva real.
Fique bastante surpreso, chegando à Vila de Rio Grande, por não encontrar os granadeiros que eu supunha lá estarem há mais de uma hora, visto que não há, desde o lugar em que pareceram saltar em terra, até o forte, mais de um bom quarto de légua. Mas havia algumas pontes no caminho, que os espanhóis haviam derrubado ao se retirarem, de modo que eles não chegaram senão após o Sol posto. Assim, durante perto de três horas, não houve para guarda da Vila e do forte mais do que 4 oficiais de terra e 3 de ar, todos armados bem levemente. Entretanto, passeamos pela Vila e dela fizemos fugir os ladrões vindos da vizinhança para o saque. Chegaram desertores melhor armados que nós. Os espanhóis haviam acampado no Forte do Arroio, a poucas léguas. Antes da retirada, eles haviam rolado na água os barris de pólvora e destruído as rodas dos reparos das peças do Forte da Vila com grandes golpes de machado, encravando as peças”.
O relato de Böhn demarca as horas iniciais da retomada da Vila do Rio Grande que passará a ser reconstruída nos anos seguintes e voltará a ser um centro de atração para povoadores luso-brasileiros e açorianos.

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