História e Historiografia do RS

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

NOS DIAS DA GRANDE ENCHENTE



Águas invadem a rua Riachuelo na esquina com a Barroso. Acervo: Relatório da Enchente de 1941 (Carlos Santos).
        A Grande Enchente que paralisou Porto Alegre chegava a Rio Grande! A invasão da cidade pelas águas revoltas da Lagoa dos Patos começou no dia 4 de maio. Na noite de 12, as águas na Barra atingiam 1,38m, no Porto Velho 2,15m e no Porto Novo 1,85m, num volume de descarga no Oceano de 78 milhões de toneladas por hora e numa velocidade de 3,5 milhas por hora. Os flagelados das Vilas Pretas foram recolhidos ao Armazém B1 do Porto Novo. Cinqüenta retirantes da Ilha da Torotama chegaram a cidade, pois a Ilha inundou completamente.
As águas faziam movimento de baixa trazendo esperança que logo era frustrada: “Ontem (15), as primeiras horas da manhã, as águas baixaram consideravelmente notando-se no cais no Porto Velho quase que a altura normal do mar. Às 10 horas, porém, e de forma brusca, as águas se elevaram novamente e atingiram nível dos dias anteriores, notando-se, à noite, ligeiro declínio das águas. Esse fenômeno deve-se a influência lunar sobre os mares (O Tempo, 16 de maio de 1941).
No dia 17 as águas apresentaram uma acentuada elevação, ocasionando a inundação de mais casas. Na madrugada deste dia as águas atingiram o nível máximo até então alcançado junto à área central. Porém, o ápice ainda estava por vir! No dia 19, sob ação do vento nordeste, às águas atingiram a altura máxima invadindo ainda mais residências, aumentando os flagelados e paralisando grande parte do tráfego de bondes. Até os bondes da linha Silva Paes pararam pois a esquina com as ruas Barroso e Pedro II estava alagada. Porém, para alívio da população, a elevação das águas começaria uma rápida redução nas horas seguintes. No dia 20, o processo desencadeado no dia 4 de maio, entrava em declínio para euforia expressa no jornal O Tempo: “As águas baixaram. Esse foi o grato comentário de toda a gente, durante o dia de ontem (...) grande parte da cidade até anteontem coberta pelas águas, oferece trânsito a pé enxuto. A linha de bonde Circular a vários dias modificada foi ontem normalizada em virtude da rua Riachuelo ter ficado perfeitamente transitável”.
Foram recolhidas aos abrigos de emergência 3.905 pessoas. Um número ignorado recolheu-se a casa de parentes e amigos, mas pela ampla região abrangida pela inundação pode ter sido considerável. Além das perdas materiais em nível das residências, as perdas em maquinários, estoques, matérias-primas e estruturas físicas das empresas foi muito elevada. O período de desativação das atividades acarretou em grandes prejuízos pela não produção e até perda de mercados. Trabalhadores sazonais sem trabalhar não tinham renda. Assim como os prejuízos aos agricultores, a maioria voltados ao cultivo da cebola, quase sempre foi total nas áreas abrangidas pela enchente. O número daqueles que abandonaram as atividades agrícolas nas ilhas é desconhecido mas certamente foi relevante, pelos grandes prejuízos sofridos nas chácaras, ampliando o êxodo rural em curso desde as primeiras décadas do século 20. 
Na Torotama, onde moravam 1.500 pessoas, uma lâmina de até 1 metro de água permaneceu por 34 dias, provocando o abandono temporário da localidade e a morte de 2.000 cabeças de gado. Na Ilha dos Marinheiros, onde viviam 2.400 pessoas em 300 chácaras, o chamado pela imprensa de “celeiro do Rio Grande”, os prejuízos com a enchente fizeram com que muitos moradores desejassem “abandonar aquelas plagas”. (Conforme o Relatório – Extensão, repercussão e danos causados pela Grande Enchente 1941. Dirigido ao Prefeito Municipal do Rio Grande Dr. Roque Aíta. Rio Grande: julho de 1941). Os prejuízos nas ilhas, com o plantio da cebola, vinhedos e hortifrutigranjeiros foi total. Os pescadores também tiveram grandes perdas de redes, barcos e utensílios, além da inviabilidade ou redução do pescado nas semanas seguintes a enchente.
O apoio dado aos desabrigados foi fundamental evitando epidemias decorrentes deste tipo de evento, inclusive de leptospirose, que em Porto Alegre teve alguns casos. Quase 16.000 vacinas contra tifo foram aplicadas, além de vacinação contra difteria e desinteria, realizada pelo Centro de Saúde. A Comissão Central de Auxílio aos Flagelados coordenou os esforços de apoio a população desabrigada com alimentação e estadia. Tiveram destacada atuação o Corpo de Bombeiros, o Exército, a Brigada Militar, a Capitania dos Portos, a Liga Feminina da Ação Católica, a Sociedade União Operária e vários segmentos da comunidade. As refeições eram distribuídas em quatro locais: Sociedade União Operária, Escola Agnella Nascimento, Vila Junção e Parque.
O governo municipal, tabelou o preço do arroz e da batata, incentivando os consumidores a denunciarem abusos. Em Porto Alegre, inúmeros comerciantes foram para a cadeia por abusarem dos preços.
A vida cultural do cinema e teatro não parou durante a enchente. Vivia-se na Era do Rádio e não na Era da TV, o cinema era ainda a grande indústria cultural no campo visual, tendo grande freqüência de público. Diferente de Porto Alegre, onde os cinemas na área da “Pequena Broadway” ficaram alagados, em Rio Grande continuaram funcionando assim como as apresentações teatrais. Os cinemas Carlos Gomes, Avenida e Guarani mantiveram seções. O Teatro Politheama apresentava o espetáculo La Cumparsita (Companhia Lison Gaster de Sainetes e Revistas). Inclusive era divulgado no jornal do dia 28 de maio, uma peça que estrearia no dia 7 de junho no Teatro Sete de Setembro: “Chuvas de Verão”! Depois das devastadoras “chuvas de outono”, será que o público teve inspiração para assistir “Chuvas de Verão”?  
         O texto foi adaptado do livro de minha autoria Águas de Maio: a enchente de 1941 em Rio Grande, o qual está disponível aqui no blog. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário