História e Historiografia do RS

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

A ENCHENTE DE 1941



E quando o flagelo das águas alcançou o máximo da sua extensão, um verdadeiro mar cobria os quadrantes Norte, Sul e Oeste da cidade. Daí, então, saiu o contingente formado por milhares de flagelados com que a nossa população pagou o seu tributo à Grande Enchente.[1]

Foi um outono muito chuvoso no Rio Grande do Sul. No mês de abril os municípios de Santa Maria, Carazinho, Gravataí, Arroio do Meio, São Sebastião do Caí, Santo Antonio da Patrulha, Novo Hamburgo e São Jerônimo, apresentavam alagamentos. Em várias outras cidades, no mês de maio, os rios romperam o leito e provocaram alagamentos. Foi o caso, no Vale do Rio Pardo, de Venâncio Aires com 1.000 desabrigados e Rio Pardo, com 500. Também na Lagoa dos Patos, os efeitos se fizeram em São Lourenço do Sul e Pelotas, além de outras localidades.
Em Porto Alegre, foram 22 dias de chuva durante os meses de abril e maio de 1941, resultando na maior catástrofe climática vivida por esta cidade em toda sua história, apesar do registro de várias outras enchentes desde 1823. O saldo foram 70 mil pessoas (de uma população de 272 mil habitantes) que tiveram de abandonar suas casas, elevados prejuízos financeiros e mais de 600 empresas afetadas, levando meses para retornarem as atividades ou decretando falência. Foi no dia 30 de abril que as águas invadiram o cais do porto e rumaram para o centro da cidade numa marcha contínua. O ápice de altura, foi no dia 8 de maio, quando o vento Minuano fez com que as águas do Guaíba fossem represadas chegando ao recorde histórico de 4,76 metros acima do nível normal. O resultado foi a maior enchente já vivida por Porto Alegre. (Rafael Guimarães. A Enchente de 41).
As notícias da enchente em Porto Alegre, começaram a alarmar os moradores da cidade litorânea do Rio Grande que passam a acompanhar com expectativa o fluxo intenso das águas que chegavam até a Barra. Em Rio Grande, entre 10 de abril e 14 de maio, choveu em 24 dias, num total de 397,7mm. Algo diferente estava ocorrendo num solo já encharcado mas que ainda permitia a manutenção das atividades normais. Porém, no dia 4 maio as águas transbordaram e alagaram várias residências e empresas inviabilizando a continuidade das atividades produtivas de vários estabelecimentos. Os prejuízos foram enormes com a destruição de parte dos maquinários, matéria-prima ou produtos já industrializados, além da destruição de vários trapiches entre a região do Bosque até o Porto Velho. A inundação surgiu pelo cais fronteiro ao Mercado Público, pela rua Riachuelo e por toda a extensão da margem do canal. Rapidamente, todo o litoral norte e sul, incluindo o Saco da Mangueira, foram invadidos pelas águas. O jornal O Tempo ressaltava na capa do dia 11 de maio que a enchente atingia proporção jamais vista. Neste dia 11, um domingo, às 21 horas, as águas atingiram o máximo de altura até então verificada, ficando completamente interrompido o trânsito nas ruas Riachuelo, Marechal Floriano, no trecho compreendido entre a Travessa do Afonso e a rua Andrade Neves, General Osório, Francisco Campelo, Avenida Portugal e ruas transversais. As ruas General Vitorino, General Câmara, Barão do Cotegipe e outras, paralelas, ficaram totalmente alagadas em toda zona oeste”.[2] Neste dia, a água tornara impossível a entrada na Santa Casa pela porta principal, onde na frente do prédio, ficava um cais de atracação. A água estava a dois centímetros de invadir o hospital! As principais ruas do comércio, a Marechal Floriano e a Riachuelo tiveram suas atividades totalmente paralisadas nos dias seguintes.
Um cronista do jornal O Tempo, captando o sentimento simultâneo aos acontecimentos, afirmou que a cada olhar uma interrogação dolorosa, dirigida ao próprio mar, que se transformou em algoz. O “estado d’alma” da população estava torturado pela elevação da maré. Os bondes ficaram paralisados nas linhas Matadouro e Porto (Macega) sendo modificado o itinerário do Circular em vista das águas que atingiram as ruas Riachuelo e Barroso. “No Bosque Silveira as águas avançaram cerca de 550 metros além do mar. Em virtude da inundação de diversas guaritas de cabos subterrâneos, o serviço telefônico local foi prejudicado elevando-se a 252 o número de aparelhos sem ligação. Ontem pela manhã dois menores brincavam dentro de um caixote de madeira nas águas existentes a rua Francisco Campelo esquina General Neto. Em dado momento a correnteza das águas carregou o barco improvisado para o lado do mar, com grande risco de vida para os dois imprudentes menores. O sr. Julio Rodrigues, capataz geral da L. P. que se encontrava nas proximidades, com uma corda conseguiu laçar o caixote e trazer para terra firme as duas crianças que foram entregues às respectivas famílias”.[3]
Conforme a Revista do Globo, na rua Riachuelo as águas subiram a mais de meio metro de altura, invadindo residências e estabelecimentos comerciais. Os armazéns do Porto Velho, repletos de mercadorias, não foram alagados, faltando poucos centímetros para a invasão das águas. “Na rua Riachuelo, como nas principais ruas de Porto Alegre, também navegaram as canoas por trechos nunca dantes navegados, oferecendo espetáculos curiosos à população”.[4] A Revista do Globo também destacou com fotografias a rua Coronel Sampaio e General Osório que ficaram inundadas em toda a sua extensão. Os trilhos da Viação Férrea foram arrastados pelas águas numa extensão de 300 metros entre o Povo Novo e o Capão Seco, impedindo a chegada dos trens. Cenas típicas da cidade de Veneza, o vai e vem das canoas junto das edificações, passam a fazer parte do cotidiano da cidade naqueles dias.
         Entre os dias 4 e 20 de maio de 1941 o município teve o seu cotidiano rompido pela dimensão do fenômeno. Um acontecimento ímpar mas que é compreensível frente a posição geográfica junto ao Estuário da Lagoa dos Patos e da Barra do Rio Grande e a fenômenos como o El Niño. Esta história é retratada no livro-álbum Águas de Maio: a enchente de 1941 em Rio Grande. 
[1] Relatório – Extensão, repercussão e danos causados pela Grande Enchente 1941. Dirigido ao Prefeito Municipal do Rio Grande Dr. Roque Aita. Rio Grande: julho de 1941. Relatório gentilmente cedido por Cícero Vassão.
[2] O Tempo. Rio Grande: 13 de maio de 1941.
[3] O Tempo. Rio Grande: 13 de maio de 1941.
[4] Revista do Globo. Porto Alegre: 31 de maio de 1941, p. XIII.

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