História e Historiografia do RS

domingo, 6 de agosto de 2017

RUY BARBOSA E A CORRUPÇÃO



“O Brasil não é isso. O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta assembleia. O Brasil é este comício imenso de almas livres. Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesouro. Não são os mercadores do Parlamento. Não são as sanguessugas da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições. Não são os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano. Não são os oligarcas estaduais. Não são os ministros de tarraxa. Não são os presidentes de palha. Não são os publicistas de aluguel. Não são os estadistas de impostura. Não são os diplomatas de marca estrangeira. São as células ativas da vida nacional. É a multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência acumula reservas inesgotáveis de calor, de força e de luz para a renovação de nossas energias. É o povo, num desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua majestade”. Ruy Barbosa, discurso pronunciado no Teatro Lírico do Rio de Janeiro em 20 de março de 1919.

         Ruy Barbosa, um dos grandes intelectuais brasileiros do século XX, deixou um legado de discursos críticos que buscavam analisar o meio político brasileiro de seu tempo. Uma de suas famosas afirmações foi a de que chegaria o dia em que, no Brasil, as pessoas teriam vergonha de serem honestas!
Um dos maiores desafios de uma sociedade é sobreviver eticamente estando atolado na corrupção numa longa duração temporal. Quando Ruy Barbosa refere-se aos ‘comensais do erário, as ratazanas do Tesouro e os corruptores da República’, está se referindo a corrupção que é a moeda corrente da política em seu tempo; quando enaltece a multidão que não adula e nem se vende, ele acredita na utopia de que a honestidade e a decência em sociedade ainda é possível. É claro que o preço a pagar ao falar com toda veracidade foi, de certa forma, o seu suicídio político.
         Desde o sistema colonial e durante o Império uma distorção começou a se exercer quando o país da pessoalidade passou a realizar um exercício de cinco séculos. Os vínculos pessoais imperam sobre os impessoais, o é ‘dando que se recebe’ (subordinação e apoio político/voto em troca de promessa ou ganho pessoal). A tradicional camada dirigente, fundada na aristocracia e nos títulos de nobreza, busca garantir uma perpetuidade hereditária, transmitindo o poder aos filhos e parentela. O patronato político brasileiro tem suas origens ibéricas e o estamento burocrático criado quando da colonização brasileira, conforme análise de Raimundo Faoro em ‘Os Donos do Poder’, atravessou toda a história política brasileira. Seja na Monarquia ou no período republicano (com orientações liberais, populistas ou nacionalistas) os governos tiveram que conviver com este aparelho de Estado que recebeu e reproduziu esta herança secular.
Um dos piores monstros que um país pode conviver é a ausência de fronteiras definidas entre o público e o privado. O erário público visto como o manancial que alimenta hordas de aproveitadores que superfaturam obras; indicam apadrinhados para a distribuição de cargos e se fartam nos recursos públicos até a exaustão. Resultado deste processo normalmente é uma prestação de serviço público criticado pela população ou contratos de concessão questionáveis em sua qualidade.
Infelizmente, a corrupção é um tentáculo que não é restrito aos políticos pois faz parte das práticas cotidianas. A legião de sonegadores e corruptores; os parasitas que cavam aposentadorias no setor público ou privado para viverem do ócio e da vagabundagem; as mulheres (que no fundo são uma aberração para a verdadeira feminilidade que é constituída por mulheres trabalhadoras, seja no espaço da casa ou no espaço público) que fazem filhos para viverem da renda alheia no anseio de capitalização e ócio; o favorecimento nepótico e emocional; o favorecimento por amizades e pessoalidade a fim de ocupar cargos públicos e criar um núcleo de auto-apoio e reprodução de um grupo; os especuladores imobiliários que vivem exaustivamente da opressão e da vilania exercida sobre os trabalhadores e comerciantes; o pseudo estudante, que recorre a todo de tipo de artimanha para obter aprovação sem esforço; centenas de exemplos podem ser dados para caracterizar os vampiros que vivem do alheio e que corrompem o cotidiano.
Esta horda de parasitas se entranha e corrompe o tecido social e as instituições, e especialmente, deixam o exemplo de que somente com o recurso a malandragem é possível viver em sociedade. E a banalização da corrupção, quando o projeto de futuro é tornar-se mais um destes privilegiados, é um dos mais nefandos imaginários que uma sociedade pode produzir. A projeção do futuro será apenas a reprodução de relações corruptas no presente. E o interessante é que este discurso crítico já se faz presente nos iluministas do século XVIII, os construtores da trilogia ‘liberdade, igualdade e fraternidade’, quando repudiavam a sociedade dos privilégios e das cartas marcadas do Antigo Regime na Europa. O Brasil ainda não edificou sequer a modernidade iluminista!
         O Estado brasileiro enquanto um grande guarda chuva que drena da população mais de um trilhão e meio de reais por ano – fruto oriundo de uma das maiores cargas tributárias do mundo-, pode ser lapidado e construído pelo clamor das ruas. Este processo que deve “ser pacífico” e não destruidor do bem público e privado, poderá inverter a lógica de que o eleitor é o prisioneiro e evidenciar, que o voto dos eleitores, é que deixa claro quem são os verdadeiros dependentes do sistema atual: a classe política. Aprimorar o processo democrático e a construção de um Estado brasileiro fundado em demandas racionais e menos pessoais, será um grandioso avanço para superar a lógica de uma estrutura mental de cinco séculos. O cansaço de viver na barbárie impõe a busca desta utopia.  

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