História e Historiografia do RS

segunda-feira, 6 de julho de 2020

RIO GRANDE E O NASCIMENTO DO CULTIVO DO TRIGO

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Ficou muito distante no tempo e caiu no esquecimento: o plantio do trigo no Rio Grande do Sul luso-brasileiro teve início por Rio Grande! 

Isto remete a 1737 e posteriormente, com os açorianos e portugueses a partir da década de 1780, ocorrerá uma expansão do cultivo no Litoral Médio.  

Evidenciando a relevância em conhecer a trajetória histórica do trigo em Rio Grande e no Rio Grande do Sul está sendo reproduzido um artigo que trata do tema. O endereço de onde foi reproduzido é:  http://www.cnpt.embrapa.br/pesquisa/agromet/pdf/pol_tica%20do%20trigo.pdf (acesso em 27-06-2020). 



"Um pouco de história e política do trigo". 
Luiz Ataídes Jacobsen Assistente Técnico Estadual da EMATER/RS, Passo Fundo, RS. 

"No estado do Rio Grande do Sul, o trigo chegou em 1737 com a introdução de sementes vindas de São Paulo, conforme data do registro e publicação do bando (pregão público), que apelava aos lavradores paulistas para contribuírem com as sementeiras a serem cultivadas no Rio Grande de São Pedro. Esta referência não é tão precisa, pois alguns historiadores referem-se ao trigo nas reduções jesuíticas, antes dos açorianos estabelecerem-se na Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul, em 1737.

Com o objetivo de povoarem as Missões, que em 1750 pelo Tratado de Madrid passam a ser domínio português, chegam ao estado a partir de 1752 um número maior de imigrantes açorianos. Deviam iniciar uma economia de subsistência na qual inseria-se o trigo, destinada também ao abastecimento das tropas sediadas nessa zona. Mesmo não se efetivando a ida para as Missões, os colonos açorianos fazem surgir nessa parte do país, um setor cuja organização social e econômica, distingue-se das demais áreas brasileiras.

 Aparecendo expressivamente nas exportações gaúchas a partir de 1780, atinge uma média anual de 255.787 alqueires (7.236 toneladas), para o período 1810/1816, que parece ter sido o apogeu da triticultura na Capitania. Esse volume decresce para uma média de 110.226 alqueires anuais (3.118 toneladas) entre 1817/1820. 

O interesse pela produção do charque, os conflitos acontecidos no sul do país que perduraram até 1870 com o fim da Guerra do Paraguai e o surgimento da moléstia conhecida como ferrugem entre 1811 e 1814, são condições relacionadas pelos historiadores como responsáveis pelo desaparecimento do trigo em 1823. Atribui-se também à abertura dos portos em 1808, facilitando a importação de farinha, ao contrabando do trigo trazido do porto de Montevidéu em troca de escravos e a elevação dos impostos cobrados sobre todos os produtos exportados pela província, responsabilidade pelo declínio da triticultura no estado.

 Esquecido e com poucos documentos tratando do trigo depois de 1822, em razão das lutas internas e externas em que esteve envolvida a antiga província, retoma-se o assunto em 1857, quando o Parlamento do Império, autoriza a compra de novas mudas de cana-de-açúcar e sementes de trigo para distribuição entre os agricultores, oferecendo prêmio aqueles cuja produção atingisse cem ou mais alqueires. O ressurgimento da triticultura só acontece por volta de 1875 com a chegada dos primeiros imigrantes italianos que vão se estabelecer nas terras devolutas do Império, situadas na encosta superior do Planalto riograndense. 

As medidas governamentais de apoio à triticultura, que se fizeram sob a forma de incentivo ao plantio, prêmios, importação e distribuição de sementes, tem no Decreto n. 803 de 08 de maio de 1936, o primeiro ato do governo federal em defesa da economia do nosso trigo. Estabelecia porcentagem mínima do grão nacional a ser adicionado ao trigo estrangeiro na elaboração de farinha. 

A interferência se torna mais aguda com o Decreto-Lei no 955 de 15 de dezembro de 1938, obrigando todas as empresas moageiras a adquirir o trigo nacional, em cota nunca inferior a 10% da respectiva moagem, apurada em média anual no último qüinqüênio.

 Nenhum moinho poderá adquirir trigo estrangeiro sem provar ter adquirido a cota do trigo nacional a que estiver obrigado. Estabelece pela primeira vez o preço mínimo para o produto nacional, a ser obrigatoriamente pago pelos moageiros no ponto de embarque. 

Preocupado com o "passeio do trigo", saindo da zona de produção, onde havia moinhos e sendo levado para o centro e norte do país, pressionado pelas indústrias situadas longe da região produtora, o governo em dezembro de 1941, altera o sistema de compra do trigo nacional. Assim toda produção brasileira seria adquirida e moída pelos pequenos moinhos, situados nas respectivas regiões produtoras e não importadores. No final de 1942 ano, o Decreto-Lei no 4.953 torna novamente obrigatória a compra e moagem do trigo produzido internamente por todos os moinhos existentes no país. 

Com a eclosão da II Guerra Mundial, os preços se elevam no mercado internacional e somente em 1949 mostram forte tendência de queda. Surge então a portaria n. 18 de 9 de janeiro de 1946, considerando as dificuldades de importação no momento e a valorização do similar estrangeiro, para tornar livre o comércio de trigo nacional, respeitando os preços mínimos. 

Para não desestimular a produção interna é assinado o Decreto no 29.299 de 26 de janeiro de 1951, tornando obrigatória a aquisição do trigo nacional por todos os moinhos instalados no território nacional, em cotas proporcionais à sua capacidade de moagem Considerava necessária a distribuição eqüitativa, por todos os moinhos existentes no país, do ônus decorrente da diferença de preço entre o trigo nacional e o estrangeiro. Em 1952, o Banco do Brasil S.A. transforma-se em único comprador do trigo importado e também exclusivo fornecedor desse insumo aos moinhos. 

O preço mais elevado do produto doméstico em relação ao importado deu origem a duplo sistema de preços, diferenciados para moageiros e produtores, embora tenham sido unificados para os moinhos em 1956. Esse duplo sistema de preços, durante a década de 50 e no principio dos anos 60, resultou em fraudes, contribuindo para o número de moinhos passar de 298 para 579, entre 1953 e 1957 e a sua capacidade calculada de 3,8 para 5,9 milhões de toneladas por ano. 

Procurando assegurar a colocação do trigo nacional no mercado, até a safra 1955/56 a compra do cereal era compulsória, com atribuição de cotas aos moinhos, que só receberiam o produto importado mais barato depois de comprovada a aquisição total da cota do trigo brasileiro. Para fugir do acréscimo de custo e sem perder o privilégio de receber o importado, os moinhos passaram a simular a compra de trigo nacional, numa operação fraudulenta conhecida como "trigo papel". 

Na safra 1956/57, visando corrigir essa situação e assegurar a comercialização, o trigo nacional passou a ser entregue aos moinhos com preço inferior ao estrangeiro, atribuindo-se ao triticultor um subsídio equivalente à diferença entre o preço de venda ao moinho e o preço mínimo fixado. As operações de fraude não foram eliminadas, continuando-se a fazer "trigo papel", agora já sem a intenção de obter-se maiores cotas do produto importado, mas apurar maiores ganhos com a subvenção do trigo nacional. Surge a "nacionalização do trigo", consistindo em apresentar produto importado como nacional. 

Como mais uma tentativa de coibir fraudes no setor, no dia 22 de novembro de 1962, através do Portaria no 820, foi delegado ao Banco do Brasil poderes para constituir-se também no único e direto comprador do trigo nacional. É criada a Comissão de Compra do Trigo Nacional (CTRIN), cuja finalidade era adquirir a produção nacional e revendê-la aos moinhos, assumindo todas as despesas relativas à movimentação e estocagem das safras. 

Completa-se o aparato institucional do Estado para o complexo trigo com o Decreto-Lei no 210 de 12 de fevereiro de 1967. O monopsônio/monopólio estatal dava prioridade ao abastecimento do país com trigo nacional, e o produto estrangeiro, cuja cota de importação era estabelecida anualmente, seria comprado para complementar as necessidades de consumo interno. Foi orientado para garantir o abastecimento de todas as regiões consumidoras, administrar os preços do cereal, ampliar a capacidade de armazenamento dos moinhos, proibir a concessão de autorização para a instalação de novos moinhos e para o aumento das capacidades já existentes e registradas. 

Estava implantado um sistema capaz de garantir mercado à produção nacional, que permitia ao governo incentivar ou não o cultivo do cereal pelo preço de compra e abastecer o mercado interno, com preço compatível com suas preocupações sociais e econômicas. Harmonizada com a política de incentivo à agricultura do governo militar (1964 - 1984), a triticultura nacional respondeu de forma espetacular, aumentando em 338,72% a área média cultivada no período 1968/72 sobre o quinquênio anterior. A produção nesse mesmo tempo se amplia em 427,13%. 

O crédito rural e a posterior institucionalização do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO), constituíram-se em fatores impulsores do desenvolvimento da triticultura, cujo crescimento teve continuidade. 

Entretanto novos cenários surgem na vida econômica do país, como a linha neoliberalizante iniciada em março de 1990 e a criação do Mercosul, promovendo um acentuado decréscimo na área cultivada nos últimos anos. 

Pela Lei no 8.096 de 21 de novembro de 1990 é extinto o modelo de intervenção vigente desde 1967, privatizando a comercialização e retirando os controles sobre a industrialização do trigo. 

É preciso esclarecer, que os dispêndios governamentais que inquietaram os administradores e foram preocupações manifestas pelos representantes dos agricultores, não se constituíram exclusivamente de subsídios à produção nacional. 

Quando o preço internacional sofre brusca elevação em 1972, o subsídio ao consumo surge como medida governamental para impedir a transmissão desse acréscimo aos preços internos em geral, numa conjuntura de inflação brasileira ascendente. 

Este subsídio tornou-se crescente, atingindo US$ 190,30 no ano de 1980, chegando alcançar US$ 239,80 em 1985, caindo para US$ 33,12 em 1989. É possível ainda verificar, que o custo médio do trigo para os cofres governamentais de 1972 até 1989 inclusive, foi de US$ 226,38 por tonelada, enquanto que o preço médio de venda aos moinhos, apenas US$ 105,01. 

Enfim, essa forte presença do Estado, que se tornou mais evidente a partir do final da década de 30, culminando com a total regulamentação em 1967, encerra-se em 1990, com a exposição dos triticultores brasileiros ao comércio internacional, principalmente com os produtores de trigo da Argentina, tradicional exportador".


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