História e Historiografia do RS

terça-feira, 7 de abril de 2020

UM CAIS NOS CONFINS DO BRASIL

Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 

      Questiono ao visitante deste blog o que ele observa num primeiro olhar nesta imagem? Qual o local, data, contexto etc?
    Inicialmente, observe bastante a imagem e depois, se quiseres, prossiga em busca da interpretação.

      Vamos fazer um exercício de leitura desta imagem!
      A primeira vez que a vi não entendi basicamente nada do cenário que representava. Com o tempo de pesquisa os detalhes foram sendo esclarecidos, nem todos, mas alguns relevantes.
    O cartão, que não é cartão-postal (nem havia sido criado), faz parte de uma série de gravuras comemorativas a uma visita ilustre.

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      Vamos dividir a imagem em três partes, começando de baixo e indo até a parte superior:

     1)Na base está escrito: "Ponte de desembarque de S. M. I." em inglês, francês e português. S.M.I. é abreviatura de Sua Majestade Imperial.




     2) O segundo recorte da imagem traz uma informação fundamental que é o ano de 1865 (canto inferior direito). Seis pequenas embarcações foram posicionadas para pressupor ordem no Cais (o que não corresponde ao Cais deste período que era de estacada e a rua do Riachuelo era estreita e bastante suja). O cais de concreto foi construído alguns anos depois entre 1872-1876 alargando a Rua Riachuelo; novas obras na década de 1910 aumentaram o cais para a construção dos atuais armazéns do Porto Velho na década de 1920.  



      3) No plano superior do postal observamos bandeiras, um arco do triunfo, um prédio harmônico a esquerda, cruz e uma torre ao fundo, um asseamento visual que indica a ocorrência de um grande evento. 



      Outra dica é que de todo o território brasileiro este é o porto mais ao sul...

    Interpretação: é o cenário preparado para receber o Imperador D. Pedro II no dia 16 de julho de 1865. É o Cais da Boa Vista na Rua da Boa Vista que mudou o seu nome ainda em 1865 para Rua Riachuelo. O Cais está embandeirado para os festejos de chegada do Imperador em sua passagem para a frente de combate em Uruguaiana (que havia sido invadida pelos paraguaios). 
      Além das bandeira do Império Brasileiro foi montado um arco do triunfo antes da entrada da Igreja do Carmo na esquina do Beco do Carmo (atual Rua Benjamin Constant) com a Rua da Praia (atual Rua Marechal Floriano). O gravurista fez um trabalho de "melhoria do cenário" colocando a fachada da Igreja do Carmo para o lado esquerdo afim de deixar o "Beco do Carmo" mais largo e livre - o que não correspondia a realidade. A cruz que se projeta ao fundo (exagerada em tamanho) deve ser do campanário junto ao Cemitério do Carmo que ficava atrás da Igreja. 
       Estima-se que seis mil pessoas, no contexto da Guerra do Paraguai, foram ao Cais receber o Imperador. Durante os poucos dias de permanência de D. Pedro II, a cidade se tornou a capital do Império Brasileiro. Um princípio de pânico ocorreu na Igreja do Carmo neste dia 16, quando tropas imperiais foram fazer uma vistoria nas condições de segurança da Igreja e foram confundidos com paraguaios: os uniformes deste grupamento do Rio de Janeiro eram desconhecidos em Rio Grande. Isto evidencia o clima de sobressalto que os cidadãos locais viviam frente a uma guerra que pudesse provocar a ocupação militar em Rio Grande como ocorreu em Uruguaiana, São Borja e posteriormente Jaguarão, que foram atacadas por tropas paraguaias ou caudilhos uruguaios.
      Enigma do cartão está resolvido: dia 16 de julho de 1865, Cais da Boa Vista na cidade do Rio Grande, chegada do Imperador D. Pedro II, cartão comemorativo que foi vendido como recordação da vinda do Imperador. 

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