História e Historiografia do RS

domingo, 10 de novembro de 2019

RIO GRANDE E AS FRICHES INDUSTRIELLES


Ruínas de indústrias próximas a Av. Portugal. Google Earth. 

Ruínas de estruturas industriais se espalham em várias áreas da cidade, especialmente próximas às margens da Lagoa dos Patos. Falências, litígios judiciais ou outros problemas como as crises econômicas e as dificuldades financeiras públicas acabam não propiciando uma revitalização e construção de uma nova funcionalidade para estes espaços.
O geógrafo Solismar Fraga Martins (Programa de Pós-Graduação em Geografia FURG), em artigo, de forma pertinente aborda o tema e esclarece que o conceito de friches industrielles “vem sendo cada vez mais utilizado como forma de analisar os espaços industriais produtivos outrora e que hoje não mais desempenham tal atividade representando “vazios industriais”. Isso significa para as cidades fabris do passado ou que não mais dispõe de fábricas na sua área urbana de ocupação intensiva, uma quantidade de grandes estruturas industriais abandonadas ou com uma funcionalidade diferente daquela para o qual foi concebida. Rio Grande como cidade industrial desde o final do século XIX e com uma história econômica marcada por avanços e retrocessos em sua economia fabril, representa um espaço significativo de análise para a existência das friches industrielles” (Friches Industrielles no Extremo Sul do Brasil: uma análise sobre o caso da Cidade do Rio Grande/RS. IX Colóquio Internacional de Geocrítica. Porto Alegre, UFRGS, 2007).
Solismar ressalta que a compreensão de como a cidade vai se estruturando e conformando sua paisagem a partir dos processos históricos produtivos constitui um passo primordial, no sentido de desvendar a lógica de desenvolvimento da cidade do Rio Grande, apontando alguns componentes que se generalizam por diversos pontos territoriais, motivados pelas oscilações de inserções contextuais dos diferentes períodos da economia local.
Economicamente, Rio Grande pode ser contextualizado na interação com o espaço portuário que propiciou uma forte presença do comércio de exportação e importação desde a segunda década do século 19. O parque industrial, em parte essencial, é fruto desta acumulação de capitais oriundo daquele comércio marítimo nacional e internacional. Para o autor, “o período áureo para a cidade estendeu-se de 1874, data da implantação do primeiro grande parque fabril até 1930, quando transformações na economia nacional ditaram novas mudanças locais na disputa de mercado com a economia fabril do centro do país essencialmente São Paulo. Este importante ciclo industrial conheceu seu declínio, fazendo com que a estagnação fabril de determinados setores acabasse culminando no fechamento de várias empresas industriais nas décadas de 1950 e 1960, resultado da integração da economia nacional que prejudicava diretamente o tipo de indústria que em Rio Grande havia se instalado no período da industrialização dispersa. Isso também trouxe novas formas de ocupação espacial para a cidade, pondo fim à cidade planejada pela municipalidade sob inspiração do urbanismo francês, cedendo lugar a todo tipo de especulação fundiária sob os ditames da iniciativa privada e com participação direta das empresas fabris em crise”.
Rio Grande chegou a apresentar 30 indústrias com mais de 100 operários reduzidas no presente a apenas 5. Esses parques industriais, apesar de não terem mais a funcionalidade original podem ainda ser ocupados como depósitos, comércio, serviços etc, porém, a maioria está abandonada ou em ruínas. O exemplo que mais salta aos olhos é o do complexo Rheingantz que possui uma área de 143.000 m² (construída de 43.000 m²). Nas imediações da Avs. Portugal e Henrique Pancada, adentrando no Bosque, é possível observar várias destas estruturas industriais, especialmente ligadas ao ciclo da indústria pesqueira das décadas de 1950-1980.
Para o autor, os efeitos de ordem visual estão diretamente ligados à degradação do espaço, ou seja, grandes espaços sem função que acabam trazendo consequências para aquela área da cidade em termos espacial e econômica, devido à desvalorização dos terrenos ou imóveis contíguos ou mesmo próxima a cada friche. Os efeitos de ordem social estão imbricados aos anteriores, já que como já mencionado anteriormente tais áreas são vistas como receptivas para atração de marginais, traficantes e outros problemas sociais.
Conforme Solismar, “é mister entender o que representa uma friche industrielle no espaço urbano, pois embora represente e seja vista como problema, na verdade são resquícios de outro período histórico e representam em muitos casos um patrimônio histórico a ser preservado. Para isso devemos encontrar outras funções para estes espaços, pois se há impedimento para que retomem sua atividade anterior, devemos ser criativos e participativos como sociedade civil buscando uma nova atividade que venha beneficiar aquela área circunvizinha sem descaracterizá-la, dar-lhe uma nova função sem precisar destruir toda a estrutura existente como já ocorreu em outras antigas indústrias da cidade do Rio Grande. Tais áreas podem abrigar áreas residenciais, áreas que alojem outros equipamentos urbanos ligados ao lazer assim como espaços verdes e que sirvam como receptáculo para eventos culturais. Isso representa não somente uma valorização do espaço de uso para população, mas também dar à cidade novas funções que aproximem mais as pessoas e façam com que a vivência urbana tome as ruas novamente, algo que tem andado no esquecimento nos últimos tempos, quando a rua é vista mais como lugar de passagem do que de encontro”.

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