História e Historiografia do RS

domingo, 10 de novembro de 2019

CARTA RÉGIA DE 19 DE JULHO DE 1816

Divisão administrativa da Capitania, com os quatro primeiros municípios em 1809.
Acervo: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. 

       Dois séculos é muito tempo para as experiências civilizatórias no mundo ocidental! Porém, parece que o tempo é cíclico em trazer a tona novamente discussões tão antigas e problemas que não são resolvidos ou equalizados. A criminalidade estava em alta no Rio Grande do Sul de duzentos anos atrás. A então Capitania era uma fronteira aberta para o contrabando e a fuga da bandidagem que estava calcada na brutalidade de uma civilização em formação ainda fundada na arte da guerra onde a impunidade cimentava os desvios da formatação das leis. Impunidade que perpassava do gaucho bandoleiro até as elites terratenientes que construíram regras de mando a parte do Governo de D. João VI. O monarca autoriza a criação em 1816 da Junta de Justiça do Rio Grande de São Pedro do Sul, atendendo a uma reivindicação do governador da Capitania do Rio Grande. Os homicídios eram altos e a impunidade era voz corrente entre a elite e os deserdados e gaudérios.   
A desconcertante situação que chegamos em relação à segurança pública permite compreender parcialmente a criação desta Junta que se voltou à radicalização do trato desta questão que atingia e atinge duramente a sociedade rio-grandense. Alguns trechos deste documento (Coleção de Leis do Império do Brasil - 1816, vol. 1) são reproduzidos a seguir:
“Cria uma Junta de Justiça na Capitania do Rio Grande de S. Pedro do Sul para julgar todos os crimes, com exceção dos que enumera. Honrado Marquez de Alegrete, Governador e Capitão General da Capitania do Rio Grande de S. Pedro do Sul. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar como aquele que amo e Prezo. Constado na minha real presença, pela Vossa conta de 30 de março do corrente ano, que nessa capitania se cometem muitos atrozes delitos com dano dos meus fiéis vassalos, perturbações e ofensa da pública tranquilidade e da segurança pessoal, e de que devem gozar todos debaixo da proteção das leis; e que o motivo desta frequência, multiplicidade, e atrocidade de crimes é, além da ferocidade e falta de civilização de muitos dos habitantes desse vasto, e ainda pouco povoado território, a impunidade dos delitos que, ou ficam de todo por punir, ou se lhes impõe as penas de muito tempo depois, e muito longe do lugar em que aconteceram, por se remeterem às Cadeias da Casa da Suplicação alguns réus, que em conformidade da lei do Reino devem ser a elas enviados com seus respectivos processos, onde se demoram pela concorrência dos que nelas se ajuntam, vindo a verificar-se o castigo quando já não ha memória dos delitos, e em lugar mui remoto daqueles em que se  perpetraram: querendo remediar estes funestos males, estabelecendo meios com que sejam aí mesmo punidos os réus com a mais possível brevidade, ajuntando-se à certeza da pena a presteza da execução, e o ser presenciada pelos que viram cometer os crimes ou os ouviram contar, o que muito evita a frequência deles; e sendo a instituição das Juntas de Justiça um estabelecimento mui proporcionado para se conseguirem úteis fins, como se tem verificado em outras Capitanias em que se acham estabelecidas (...) Nesta Junta que vós convocareis quando pela ocorrência dos processos e réus presos, vos parecer necessário, serão julgados  breve e sumariamente os réus de todos e quaisquer crimes, salvo os de Lesa-majestade de primeira cabeça, e que não forem eclesiásticos ou militares que gozem de privilégios de foro, sem exceção de qualidade de brancos, índios, mulatos e pretos, sendo primeiro ouvidos com sua defesa e tempo breve na forma da lei do Reino, e as sentenças que se proferirem nesta conformidade serão executadas, sem que se suspendam jamais por qualquer motivo (...) Cumpri-o assim sem embargo de quaisquer leis ou disposições em contrário, que todas hei por derrogadas para este efeito somente. Escrita no Palácio do Rio de Janeiro em 19 de Julho de 1816. REI. Para o honrado Marquez de Alegrete.”
Se a impunidade e os privilégios caracterizavam o Brasil Colonial e deixaram raízes no Império e República, o Rio Grande do Sul apresentava algumas práticas ainda mais enraizadas: era uma área de fronteira com circulação de forasteiros e pilhadores, assassinos de aluguel que poderiam se deslocar pelo território ainda pouco controlado pela esfera policial e judicial. Ou seja, a impunidade dos crimes era acobertada pelo dilatado pampa brasileiro-uruguaio e pela organização de núcleos de mandonismo local e redes de proteção. No presente, a segurança é uma palavra chave repleta de angústia e que expressa insegurança. Devemos esperar, como numa crença messiânica, o retorno de D. João VI para tentar impor o Império da Lei onde à República do privilégio e do coitadismo social falhou? 

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