História e Historiografia do RS

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

OS PERIGOS DA BARRA

Construção dos Molhes da Barra se observando o .Titan ao fundo Por volta de 1914.
Acervo: Fototeca Municipal Ricardo Giovaninni. 


        O historiador Gunter Axt, elaborou competente matéria sobre a segura às dificuldades da navegação no litoral do Rio Grande do Sul e no acesso a temida “barra diabólica”. O artigo “Desastres de outrora” foi publicado em julho de 2009 na revista eletrônica voto (http://www.revistavoto.com.br) e dada sua relevância e pertinência para os estudos sobre a história da cidade do Rio Grande, é transcrita aqui reproduzida na íntegra.

Houve tempo em que chegar ou partir do Rio Grande do Sul era uma aventura incerta. A ferrovia que nos conectava a São Paulo foi inaugurada apenas em 1910. Com estradas de rodagem precárias, o porto de Rio Grande era nossa porta de comunicação com o mundo. Porta era eufemismo, pois os navios precisavam vencer a barra maldita. 
O dia 11 de julho de 1887 marcou, durante muito tempo, uma lembrança macabra no Rio Grande do Sul. Nesse dia, sumiu entre as vagas que se agigantavam próximas à barra do Rio Grande o vapor “Rio Apa”. Às nove horas da noite, uma violenta tempestade de inverno fustigou a costa sul e surpreendeu a embarcação que fazia a rota Rio de Janeiro a Montevidéu e Mato Grosso, com escala em Rio Grande. Pereceram no naufrágio todos os 40 tripulantes e os 67 passageiros. A consternação foi geral. Exéquias solenes foram celebradas em sufrágio das vítimas por todos os recantos. À catedral, dirigiram-se todas as autoridades superiores da Província. O comércio fechou as portas, e a bandeira foi hasteada em funeral nos prédios públicos e muitos particulares. Por semanas, os jornais seguiram mencionando detalhes do desastre e nominando as vítimas. Em Rio Grande, fizeram-se procissões à praia, de onde a população pranteada lançava flores ao mar.
A tempestade na qual sucumbiu o “Rio Apa” tragou também os vapores “Cavour” e “Rio Jaguarão”, o patacho “Dona Guilhermina”, a escuna “Évora” e a barca “Bedmar”. Mas tais desgraças não se circunscreviam em um hausto. Tragédias como essa se repetiam na costa gaúcha e, especialmente, na embocadura da barra. Notícias de naufrágios e encalhes se sucediam. Para o viajante francês Auguste Saint-Hilaire, a barra e o porto de Rio Grande ofereciam uma visão melancólica: “Destroços de embarcações semienterradas na areia lembram terríveis desastres, e nossa alma enche-se pouco a pouco de melancolia e terror”. O umbral de entrada da Província, a sua porta de comunicação com o mundo, era um sinistro gargalo, sorvedor de vidas; um registro espectral. A navegação lacustre no Rio Grande do Sul era uma das mais importantes do Brasil. O primeiro navio a vapor singrara as águas interiores da Província no ano de 1832. Até então, o percurso pelas lagoas dos Patos e Mirim era feito por sumacas (espécie de embarcação pequena com dois mastros), iates, brigues (embarcações de dois mastros, dos quais o maior é inclinado para trás), patachos e escunas (embarcações ligeiras, também de dois mastros). Os rios Jacuí e Taquari eram navegados por canoas. O navegar era penoso, pois na subida dos rios ou na falta do vento, os marinheiros agarraram-se nas retorcidas árvores que cresciam nas barrancas para impulsionar suas embarcações. As estiagens, os bancos de areia, os galhos submersos conspiravam para tornar estas rotas ainda mais difíceis. O primeiro vapor veio trazer alento. Chamava-se “Liberal” e fora adquirido por um grupo de empreendedores de Pelotas e Rio Grande. A navegação fluvial tomou impulso com o êxito da experiência de colonização no Vale do Sinos. Já a partir de 1825, registram-se os primeiros lanchões de colonos fazendo a rota para Porto Alegre. Em torno do binômio comércio e navegação, surgiram aos poucos empresas ligadas a famílias de imigrantes. A partir de 1850, esta rota foi melhorada com a introdução de navios a vapor. Assim, o tempo do percurso entre São Leopoldo e Porto Alegre diminuiu de cinco dias, ida e volta, para 24 horas. Aos poucos, a influência do capital comercial de origem colonial foi se estendendo para os outros rios. Os lanchões começaram a fazer a rota pelo Rio Jacuí para Rio Pardo e Cachoeira do Sul, em 1843. Em 1875, alguns lanchões ainda sobreviviam navegando pelo Rio Taquari.
Foi só com um acordo firmado em 12 de setembro de 1906, sob o governo do presidente Affonso Penna, com o engenheiro Elmer Corthell, especialista em obras hidráulicas que trabalhara na fixação da barra do Rio Mississipi, nos Estados Unidos, que o problema da barra de Rio Grande começaria a ser encaminhado. Ao projeto de desobstrução da barra e de construção dos molhes, foi também associado o direito de exploração das instalações portuárias, que seriam encampadas pelo governo do Estado em 1920. Dificuldade de ordem financeira, bem como a tortuosa engrenagem administrativa da empresa concessionária protelaram o início definitivo dos trabalhos na barra e no porto para o ano de 1909. Incidentes imprevistos, como a ação de um violento vendaval na região em 1912, impuseram morosidade ao andamento das obras. A progressão do molhe leste sobre as águas encontrou ainda obstrução na escavação produzida pela arrebentação das vagas junto à sua extremidade. Em 1915, o molhe leste foi completado com 3.940 m e prolongado até a extensão de 4.012 m em forma de dique submarino; o molhe oeste foi ultimado com a extensão de 4.012 m, com um prolongamento submarino de 288 m. Em 15 de março daquele ano, a passagem pelo canal da barra da corveta “Benjamim Constant”, com calado de 6,40 m, determinava a desobstrução definitiva. Em 15 de novembro, a primeira seção do novo porto entrava em operação. Foi só a partir de então que as rotas marítimas para Rio Grande tornaram-se mais seguras. 

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