História e Historiografia do RS

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

OS CAVALOS

Obra “Matadero Sur” (1817) do pintor inglês Emeric Essex Vidal o qual retratou os cavalos como parte indispensável do cenário platino. 

         Abandono e maus tratos aos cavalos tem sido tema de várias matérias do Jornal Agora. A violência contra os eqüinos tem uma trajetória longa no Rio Grande do Sul, conforme está expresso em documentos oficiais e de viajantes estrangeiros, que acentuam a banalização da brutalidade. Já no Rio Grande do Sul do século 18, os maus tratos aos cavalos eram denunciados por autoridades luso-brasileiras, as quais enfatizavam a má utilização destes animais enquanto propriedade do Rei. Na “Notícia Particular do Continente do Rio Grande” escrito pelo funcionário da Coroa Portuguesa Sebastião Francisco Bettamio em 1780, um capítulo é dedicado as ‘Cavalhadas e Boiadas Reais’. Nestas passagens observa-se o tratamento cotidiano dado aos cavalos e a busca de algumas alternativas de impedir tantas perdas ao erário régio. Interessante é observar que quando o discurso oficial busca fazer uma análise das perdas financeiras da atividade, ele traz à tona a realidade cotidiana do tratamento brutal a que eram submetidos os cavalos na Capitania do Rio Grande de São Pedro. Uma história de longa duração que infelizmente, em alguns casos, ainda se repete.

        “Este é um objeto dos consideráveis para a despesa da Fazenda Real no Continente, e também para o vexame dos povos o que exporei. De duas formas se provém de cavalos as cavalhadas Reais que Sua Majestade tem no Continente do Rio Grande divididas em Porto Alegre, Rio Pardo e vila de São Pedro. A primeira forma é comprando-se os cavalos ou mulas aos particulares; e a segunda é quintandose, ou confiscando todos os animais que entram para as nossas terras vindos da dos Castelhanos. Tanto em uma como em outra forma, há muitas violências que se tem executado, e que por não fazer maior extensão deixo de repetir. Compradas ou tomadas às cavalhadas, procede-se a marcá-los, cuja marca é cortar-lhes metade da orelha direita, a que chamam reiunar, ficando os cavalos assim conhecidos pela denominação de – Reiunos -, isto é, pertencentes a El-Rei. Todo o cavalo que tem esta marca (suposto que também a viciam aguçando ambas as orelhas) é justamente privilegiado, e não se pode vender, nem servir-se pessoa alguma dele, que não sejam os soldados do regimento de cavalaria de Dragões ou aqueles que tem o justo título do serviço de Sua Majestade, de licença dos Governadores, ou finalmente, os capatazes e peões que cuidam da mesma cavalhada; porque todos os mais serão compreendidos debaixo de pena de prisão e das outras que ficam a arbítrio dos Governadores, estando também sujeitos as mesmas penas os fazendeiros em cujas fazendas se acham algum detido.
        Logo que qualquer cavalo tem orelha cortada, é sem contradição que não pode sair da cavalhada Real, e sendo assim em poucos anos está toda a cavalhada velha e inútil (como presentemente sucede), estando os pastos que podiam servir a cavalos bons, ocupados com os cavalos velhos, que sempre se contam em número mas não em serviço; perdendo-se a despesa que se faz com capatazes e peões que cuidam na conservação ou guarda de semelhantes cavalos, não sendo tão pequena esta despesa no geral.
        Se averiguarmos a utilidade que se tira de todo este trabalho e despesa, perguntaremos quantos cavalos há reiunos, quantos capatazes de serviço e quantos inúteis, e acharemos um número infinito de animais e deles escolhidos os capatazes de se poderem montar, acharemos que de seiscentos cavalos, se poderão montar até sessenta, porque todos os outros não se montam por magros, velhos e incapazes que nem podem consigo, ou por manhosos e indignos de servirem a quem não é amansador. Se há alguns de melhor qualidade, são reservados para os capatazes e peões que dizem necessitam andar em bons cavalos para correr nos rodeios que fazem aos outros para se não espalharem ou fugirem; e quando tem destruído estes cavalos, então os deixam para servirem nas funções a que é destinada a cavalhada, refazendo-se de outros nos novos que se compram. Se algum destes miseráveis cavalos adoece e o tempo ou o ar os não cura, morre infalivelmente ao desamparo ou o matam antes que morra no campo e seja consumido sem que lhes tirem as orelhas que apresentam para descarga dos cavalos que tem a seu cargo. Quando os capatazes apresentam as orelhas ao dar das suas contas não se lhes pergunta de que moléstia morreu o infinito número de cavalos de que apresentam as orelhas, e se fizeram as diligências necessárias para os curarem, mas ou morressem à necessidade, ou porque mesmo os mataram, está se por tudo, contando que se apresentem as orelhas; sucedendo o mesmo a respeito das diligências a que se manda cavalhada, porque se fica algum cavalo cansado sucede pela maior parte matarem-no e trazerem-lhe a orelha para a sua descarga. Os cavalos que servem aos dragões tem a mesma forma de administração; e disto sucede que arbítrio dos capatazes e peões, é que os soldados montam estes ou aqueles cavalos, sendo mui casual que um soldado monte duas vezes um mesmo cavalo, nascendo daqui não terem os soldados amor aos cavalos em que hão de servir, mas nem conhecimento algum deles, o que é pior porque os faz menos aptos para qualquer ocasião que haja, ficando muito mais desembaraçados tendo maior conhecimento dos cavalos em que devem montar, e sendo de grande interesse que os capitães conheçam não só os soldados da sua companhia, mas também os cavalos”.

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