História e Historiografia do RS

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

NO TEMPO DOS CASSINOS



Fotografias do Hotel-Cassino Quitandinha em Petrópolis-RJ (1945).

“Salão repleto de luzes, orquestra ao fundo, brilho de cristais por todo o lado. O crupiê distribuiu fichas sobre o pano verde, cercado de mulheres em longos vestidos e homens de black-tie. A roleta em movimento paralisa o tempo, todos retêm a respiração. Em breve estarão definidos a sorte de alguns e o azar de muitos. Foi mais ou menos assim, como num lance de roleta, que a era de ouro dos cassinos – maravilhosa para uns, totalmente reprovável para outros – se encerrou no Brasil”. Esta passagem escrita pela arquiteta Jane Santucci (O dia em que as roletas pararam In: História Viva, setembro de 2006), sintoniza o fim do “Tempo dos Cassinos” no Brasil.
 No dia 30 de abril do ano de 1946 os cassinos foram proibidos. Pelo decreto-lei n.9215, assinado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, a exploração de jogos de azar tornou-se contravenção. Foi nesse dia que a última partida legalizada de roleta no Brasil ocorreu no cassino do Hotel Copacabana Palace, o mais glamoroso do Rio de Janeiro. Nesta época existiam cerca de 70 cassinos em funcionamento, empregando cerca de quarenta mil pessoas.
         Surgido no período imperial, os cassinos tiveram o seu funcionamento proibido em 1917. Durante o governo de Getúlio Vargas, no ano de 1933, foram legalizados com apoio do governo federal. Foi a Era de Ouro dos Cassinos que perdurou até 1946. Nos 12 anos de funcionamento, os cassinos viraram uma forte atração turística e espaço de shows e grandes espetáculos, como as apresentações de Carmen Miranda e diversos artistas do período.
         Apesar de utilizado de forma informal antes desta data, foi a partir da vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808 que a cultura dos jogos dos salões europeus, passou a influenciar padrões de comportamento e de sociabilidade. Os jogos de cartas, os dados e a roleta passaram a marcar presença nas relações sociais, inclusive, havendo a criação em 1811 da Real Fábrica de Cartas de Jogos, vinculada a Imprensa Régia. Os jogos mais difundidos eram víspora e bilhar. Nas últimas décadas do século 19, as loterias clandestinas e o jogo do bicho, tiveram grande adesão das camadas populares, surgindo também os primeiros cassinos, regulamentados pelas intendências municipais. Nas duas primeiras décadas do século 20, o pôquer e o bacará eram jogados no interior de clubes, enquanto o bicho teve penetração nas agremiações carnavalescas. Porém, a ênfase de muitas autoridades e de setores católicos esteve na repressão ao jogo de azar.
         Para Santucci, o governo Vargas regulamentou uma situação que já existia e incentivou grandes investimentos no setor. A abertura de cassinos luxuosos se multiplicou no período. Eles ofereciam, além do jogo, outras atrações aos freqüentadores: grandes orquestras, danças, espetáculos de cabaré e teatro de revista, além de restaurantes luxuosos, o que colocou o Rio de Janeiro e outras cidades brasileiras na rota do turismo internacional.
         O mais conhecido dos cassinos ficava no Rio de Janeiro, o Cassino da Urca, o qual apresentava atrações musicais com Carmen Miranda, Dalva de Oliveira, Edith Piaf, Amália Rodrigues e Tony Bennet. Era um edifício à beira-mar construído na década de 1920 para ser um hotel. O empresário Joaquim Rolla, em 1933, o transformou no mais famoso cassino brasileiro, sendo o centro da vida noturna do Rio de Janeiro sendo freqüentado por artistas, políticos, empresários, intelectuais, turistas, além de jogadores inveterados. No bairro de Copacabana, dois grandes cassinos fizeram época: o do Hotel Copacabana Palace, recebendo a elite carioca e o Cassino Atlântico, no Posto Seis, um luxuoso local com palco giratório e também apresentando os grandes nomes do rádio brasileiro. O maior cassino-hotel da América do Sul, o Quitandinha, foi construído em Petrópolis, sendo projetado em estilo normando reproduzindo o estilo de cassinos da praia da Normandia.
         Em São Paulo os cassinos também estiveram presentes, em região hidromineral como Águas de São Pedro ou no litoral, no Guarujá, um balneário de luxo onde ficava o Hotel Cassino La Plage, freqüentado pela alta burguesia paulista. O cassino estava cercado de jardins, quadra de tênis e de críquete. Neste hotel é que o inventor Alberto Santos-Dumont suicidou-se em 1932. 
         O contexto do fechamento dos cassinos em 1946 foi o de denúncias de corrupção envolvendo representantes do poder público, que estariam desviando em proveito próprio os impostos pagos pelos cassinos. Parte da imprensa também criticava a jogatina desenfreada e denunciava subornos e enriquecimento ilícito dos responsáveis pela fiscalização dos cassinos. Para além da influência católica e da pressão anti-jogo sobre o presidente Dutra, por parte de sua esposa a “dona santinha”, a conjuntura de desgastes ligada à jogatina nos cassinos chegara num ponto crítico. A repressão ao jogo se deu de forma violenta, policial, recebendo o apoio da igreja e de associações familiares, que enfatizavam a decadência moral envolvida naqueles estabelecimentos. Outro enfoque explicativo, busca raízes mais políticas e ideológicas para o ato de Dutra. O fechamento dos cassinos seria uma ruptura com o passado do regime do Estado Novo criado por Getúlio Vargas. Com o fim da ditadura estado-novista em 1945, a qual permitira a livre atuação do jogo de azar e dos cassinos, a nova ordem política ligada a Dutra, teria buscado o rompimento das imagens e certas práticas do governo de Vargas.
         Jane Santucci, numa conclusão interrogativa questiona: “Será que para o bem e para o mal, esses estabelecimentos que misturavam euforia e pecado voltarão um dia a compor o cenário de nossas cidades? Sim? Não? Façam suas apostas”.  

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