História e Historiografia do RS

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

BRIGADEIRO JOSÉ DA SILVA PAES: O FUNDADOR

Detalhe do monumento a Silva Paes. Acervo: Autor. 


       Foi no distante 19 de fevereiro de 1737 que tinha início o sistemático povoamento luso-brasileiro da Barra do Rio Grande. Esta Barra que é hoje uma referência internacional por estar concentrado nela o complexo portuário e o Polo Naval tem um passado de presença humana que recua a alguns milênios no passado. A presença de populações no estuário da Lagoa dos Patos tem uma história em construção ligada aos “indígenas” da Tradição Umbu, Vieira e Tupi-guarani. Ocupações sazonais ou de maior persistência temporal, mas que permitem a escrita de uma história de pelo menos 6 mil anos.
Desde o século XVI, navegadores cruzam o Oceano Atlântico e já passam a identificar o Rio Grande de São Pedro que escoava no Oceano e que era a abertura via Lagoa dos Patos para o interior das terras a serem descobertas. Rio Grande é o epicentro de transição entre a abertura, de um lado, para o mundo oceânico e os demais continentes e povos; de outro, via Lagoa dos Patos e Mirim, para a descoberta do Continente do Rio Grande do Sul. Um grande continente que desde 1626 passou a ser parcialmente ocupado pelo projeto jesuítico-missioneiro de bandeira espanhola. Contrapor a esta presença espanhola a partir da cabeça de ponte de um povoamento sistemático luso-brasileiro na Barra do Rio Grande passa a ser o objetivo maior de Portugal.
Aventureiros solitários que não deixaram nenhum documento escrito de sua passagem devem ter percorrido estes caminhos da planície costeira em diferentes momentos anteriores à fundação oficial. Porém, é após a fundação da Colônia do Sacramento em 1680 (no atual Uruguai) que a atração de tropeiros pelo gado da Vacaria del Mar vai tornar-se uma obsessão daqueles que buscavam o enriquecimento ou a sobrevivência através da atividade tropeira. E o gado se tornou o primeiro fator econômico legitimador da integração do pampa meridional ao Brasil Colonial, no extremo das possessões portuguesas. Porém, era uma integração que foi construída lentamente, pois os tropeiros passavam pelo litoral sem terem se fixado. Atividades mais arrojadas passam a ser implementadas em 1725, quando a Frota de João de Magalhães ocupa uma área do atual município de São José do Norte e ali permanece até 1733, quando ocorre a dispersão de pequeno grupo de cerca de 30 homens de Laguna. A partir de 1732 tem início a distribuição de sesmarias no litoral norte e na região de Viamão (o que pode explicar a desocupação destes homens de São José do Norte).  
Paralelamente, por ser o Rio Grande do Sul uma área que interessava a Espanha, foi necessário que o Conselho Ultramarino Português e as autoridades coloniais estabelecessem um plano arrojado de ocupação militar que garantisse a posse da Barra do Rio Grande e tivesse início à irradiação do projeto civilizatório lusitano no Rio Grande do Sul. Uma ação tão contundente que oficializasse a ocupação luso-brasileira, basicamente uma declaração de guerra! No contexto de um conflito com a Espanha pelo controle da Colônia do Sacramento (1735-37) uma poderosa frota naval é organizada em Portugal e parte para a região platina com o plano de acabar com o cerco naval espanhol à Sacramento, ocupar a região nas imediações do que hoje é Punta del Este e promover a ocupação da Barra do Rio Grande.
O mundo colonial português era regido por forte hierarquia e o comandante das tropas de terra nesta operação era o Brigadeiro José da Silva Paes e um dos seus subordinados, enviados para a Barra do Rio Grande para garantir a segurança na chegada da frota naval portuguesa era Cristóvão Pereira de Abreu que aqui estava com 160 homens recrutados em Santos e Laguna. Aqui estavam por restrito interesse financeiro! Não vieram fundar, povoar ou governar! O pagamento recebido por Cristóvão Pereira de Abreu pela prestação de serviço foi o de receber por doze anos a metade dos rendimentos das cavalhadas que passam entre Rio Grande de São Pedro e Minas. Mais uma vez demonstrou ser excelente negociante. 
Estes homens estavam subordinados as ordens de Silva Paes o qual também estava subordinado a ordens superiores. Nesta seqüência de atribuições, o papel de fundador e primeiro governador que deu início a vida administrativa do Rio Grande do Sul remete ao Brigadeiro José da Silva Paes, que desde 1735 defendia ardorosamente junto ao Conselho Ultramarino a ocupação da Barra do Rio Grande.
A historiadora Maria Luiza Bertulini Queiroz, em seus escritos de mestrado e doutorado, reiterou o contexto geopolítico e o sentido da fundação da Barra do Rio Grande em 1737. Segundo ela, sob a justificativa de pôr fim ao cerco da Colônia do Sacramento, Portugal empreende uma operação militar conjugada por terra e mar, com o objetivo de ocupar os principais pontos da região e abrir a navegação do Prata para Portugal e Inglaterra. Tropas de terra, comandadas pelo Brigadeiro José da Silva Paes, desembarcaram na margem sul do canal do Rio Grande em 19 de fevereiro de 1737, dando início à fundação do Presídio e Colônia do Rio Grande de S. Pedro, assegurando a posse de todo o território que se estendia até a Laguna, e o controle do acesso à extensa rede fluvial que penetrava para o interior, a partir da Lagoa dos Patos. A expedição que desembarcara no canal em 19 de fevereiro, formada por aproximadamente 300 homens dos Regimentos da Bahia e do Rio de Janeiro e pelos escravos dos oficiais, constituíram o primeiro efetivo de população da colônia; em dezembro, com a entrada de novo contingente militar, esse efetivo alcançava cerca de 700 homens livres. Em inícios de 1738 começaram a chegar os primeiros povoadores civis de origem 1uso-brasi1eira.  A presença dos homens de Abreu na Barra do Rio Grande não tem sentido de povoamento e, definitivamente, nenhuma povoação existia quando Paes chegou ao sítio onde decidiu lançar os fundamentos da futura cidade militar. Os primeiros povoadores luso-brasileiros civis a chegar ao Presídio foram antigos povoadores da Colônia do Sacramento, atraídos pela posição mais segura no Rio Grande e pelas amplas possibilidades de acesso à terra que essa oferecia, em comparação com a praça da Colônia, limitada pela vigilância constante da administração espanhola. A ausência de uma corrente de povoamento da Laguna para o canal do Rio Grande e, consequentemente, de um contingente lagunense no processo de povoamento do Presídio evidenciam-se, de forma irrefutável, na documentação investigada pela autora que são os Livros da Provedoria do Rio Grande a partir de 1738.

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