História e Historiografia do RS

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A BENEFICÊNCIA FEMININA EM RIO GRANDE

Fachada do Clube Beneficente de Senhoras. Acervo:http://www.ebahl.files.wordpress.com 


Dentre as inúmeras associações filantrópicas que desde o século 19 a cidade do Rio Grande já teve ou ainda tem, uma destas associações está completando 110 anos. É o Clube Beneficente de Senhoras, que foi fundado em 4 de agosto de 1901, tendo por principais finalidades quando de sua criação: promover a caridade; criar e manter, quando possível, anexo ao clube um hospital para crianças pobres; manter, enquanto não existir o hospital, distribuição de leite as crianças pobres; através de chás beneficentes, ajudar viúvas idosas; etc. No Estatuto atual (aprovado em 04/07/1947) o estandarte do Clube tem o emblema “Fé, Esperança e Caridade”. O capítulo XIII, art. 35 do estatuto, não permite que o nome de pessoas que recebessem benefícios fosse publicado, buscando uma atuação discreta e distante do egocentrismo ou do partidarismo.  
Em 1910, o Clube recebeu do coronel Augusto Leivas a doação de um terreno para edificação do projetado hospital para criança. Através de chás, festivais e doações, foi possível construir neste terreno à rua Carlos Gomes (nº 579, 581 e 583) um prédio de dois pisos inaugurado em 1921 e que sofreu algumas alterações arquitetônicas ao longo das últimas nove décadas. Por falta de recursos financeiros foi inviável a efetivação da ideia de um hospital tendo o segundo piso do prédio, em 1922, sido alugado para instalação do Conservatório de Música municipal, atual Escola Belas Artes Heitor de Lemos. Desde então, o valor do aluguel passou a ser utilizado para manutenção dos serviços de apoio as viúvas e fornecimento de leite às crianças pobres.
Além do trabalho sistemático de apoio a crianças e viúvas, em períodos de crise na cidade, o Clube intensificou a sua atuação. É o caso da participação das senhoras Helena Small e Antonia Futura Rocha, respectivamente presidente e vice-presidente, além do corpo de associadas, durante a epidemia de Gripe Espanhola em 1918. A imprensa destacou a assistência prestada pelo Clube aos doentes num período em que mais de 30.000 pessoas ficaram gripadas na cidade e mais de 600 perderam a vida.
Mas como tudo começou? Nos dias 2 e 3 de agosto de 1901, foi publicado o seguinte convite no jornal Diário do Rio Grande: “A comissão do Club Beneficente de Senhoras convida a todos quantos se interessam por essa humanitária ideia a tomar parte na assembleia que se realizará, domingo do corrente, às 18h30min, na sala principal da Sociedade Instrução e Recreio  a fim de tratar-se da eleição das exmas. senhoras que devem compor a primeira diretoria. Conta a comissão com a assistência das ilustres senhoras que se inscreveram nas listas lhe sejam remetidas até ao dia da reunião agora convocada. Rio Grande, 2 de agosto de 1901. O presidente - dr. Francisco Fernandes de Souza. O secretário Octávio de Deus Freire”. A assembléia de fundação ocorreu, como previsto, no dia 4 de agosto, sendo presidida pelo dr.  Francisco Fernandes de Souza, Venerável da Loja Henrique Valladares e ocorrendo a eleição da primeira administração composta pelos seguintes membros: diretora – Ana Machado Lopes; vice-diretora – Amélia Pereira Pegas; secretária – Julieta de Mello Monteiro; adjunta – Laudoceana Mello Silveira; oradora – Revocata Heloisa de Mello; adjunta – Amélia Marques; tesoureira – Ercilia Mello Reis; adjunta – Carolina Silveira de Azevedo. Conforme documento de 1947, assinado pela então diretora Maria Duarte Rheingantz, também foram sócios fundadores: Francisco Fernandes de Souza (brasileiro e militar); João José Cezar (brasileiro e jornalista); Guilherme Salies (brasileiro e comerciante); Lino Saraiva de Oliveira (português e comerciante); Martucci Salvatore (italiano e alfaiate); Octavio de Deus Freire (brasileiro e comerciário).
Conforme João Lages (artigos sobre o Club de Senhoras publicados no Jornal Agora em julho de 2011), a criação do Club Beneficente de Senhoras não foi uma ação isolada. O Club Beneficente de Senhoras foi fundado em Rio Grande por iniciativa da Loja Maçônica Henrique Valladares (posteriormente incorporada às lojas Philantropia e Estrela do Sul, dando origem à atual Loja Philantropia do Sul), que lançou a ideia de estabelecer aquela humanitária instituição em julho de 1901. Entre agosto de 1900 e setembro de 1901, foram criados dezenove clubes beneficentes, federados ao Club Central de Porto Alegre. Pela ordem foram aquelas entidades estabelecidas em Porto Alegre (26/08/1900), Palmeira das Missões, Montenegro, São Sebastião do Caí, São Leopoldo, Jacuí, Santa Maria, Jaguarí, São Borja, Bagé, Cruz Alta, Rosário do Sul, Jaguarão, Alegrete, Quarai, Itaqui, Pelotas e Rio Grande e Uruguaiana. A criação da rede federada de Associações de Beneficência surgiu na administração do grão-mestre Antunes Ribas. O primeiro estatuto do Clube Beneficente de Senhoras teve seu anteprojeto elaborado pela literata Revocata Heloísa de Mello, que compunha a comissão de redação em conjunto com as sócias Mary Aveline Souza e Maria Carlota da Costa. O estatuto teve sua redação final aprovada em assembleia de 9 de dezembro de 1901, o qual dispunha em seu art. 1º: “O Club Beneficente de Senhoras cujo fim principal é a prática da caridade” e, em seu parágrafo único, previa a realização de reuniões de fins instrutivos e recreativos. Conforme Lages, o clube sempre foi uma entidade aberta, ecumênica, em favor da mulher, sem vinculação a ideologias, partidos ou religiões, abrangendo como sócias pessoas de diferentes atividades e sempre contou com abnegadas, que fizeram os ideais estatutários tornarem-se realidade. Muitas esposas de prefeitos, comandantes militares, médicos e outras foram colaboradoras que possibilitaram a consolidação da entidade e fizeram com que chegasse aos 110 anos.
Ao longo de mais de um século, inúmeras mulheres que participaram diretamente da construção da sociedade local tiveram atividades no Clube. Uma das mais destacadas na construção de uma imprensa literária feminina no Rio Grande do Sul Revocata Heloísa de Mello (irmã da também fundadora Julieta de Mello Monteiro) teve papel fundamental na fundação em 1901 e nas primeiras décadas da associação. Em correspondência por ela assinada em 28 de março de 1901, refere-se ao esforço em implantar a associação em Rio Grande pois a mesma ainda era “encarada como utopia”. A utopia concretizou-se e mulheres com sobrenomes como Lopes, Pegas, Monteiro, Rheingantz, Salies, Meirelles Leite, Duhá, Llopart, Amaral, Pontes, Fresteiro, Braga e tantos outros, participaram das diretorias ou contribuíram com a associação nestes mais de um século de atividades voltadas a comunidade local. Em nome de Débora Salies Plastina, atual vice-presidente, que gentilmente cedeu documentos para a elaboração desta matéria, homenageio todas as mulheres que contribuíram na construção do Clube Beneficente de Senhoras.

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