História e Historiografia do RS

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A GRIPE ESPANHOLA ENQUANTO CONHECIMENTO PARA O PRESENTE



A década de 1910 foi marcante para a cidade do Rio Grande. Foi o período da construção dos Molhes da Barra e do Porto Novo, atividades que geraram cerca de 4.000 empregos. Nesta década, a Primeira Guerra Mundial entre 1914-18 provocou a retração no comércio internacional refletindo-se numa crise na cidade, inclusive, promovendo desemprego e ampliando as condições precárias de existência. No ano de 1917, a Revolução Russa lançará, há médio prazo, novas perspectivas nos enfrentamentos entre trabalhadores e empresários, na tensa relação entre o capital e o trabalho. As greves, fenômeno de liderança anarco-sindicalista se manifestará com intensidade até o ano de 1919. A inauguração do grande frigorífico norte-americano Swift em 1918, representará o início de um novo período de geração de emprego e renda na cidade, apesar de promover a dependência e a descapitalização dos estancieiros rio-grandenses. As grandes obras portuárias e do frigorífico, em sintonia com o desenvolvimento industrial intensificado desde a segunda metade da década de 1890 foram significativos na atração de trabalhadores da metade sul do Rio Grande do Sul e também imigrantes portugueses, poloneses e espanhóis. Entre estes milhares de trabalhadores, cerca de 40% eram mulheres ligadas especialmente à indústria têxtil. O crescimento industrial liderado pelas empresas Rheingantz, Ítalo-Brasileira e Leal Santos, gera emprego mas também traz inúmeros problemas ligados a questões de qualidade de vida urbana. Precárias condições de assistência médica e hospitalar, ruas sem calçamento ou em más condições de trânsito, alagamentos, falta de iluminação pública, dificuldades no fornecimento de água tratada, casas em péssimas condições de manutenção, proliferação dos cortiços, baixa escolaridade e acesso a informação, altos níveis de mortalidade adulta e absurda mortalidade infantil.
A história do medo se manifesta através das notícias da epidemia de gripe espanhola que assolava o Rio de Janeiro. Rio Grande, enquanto cidade portuária é uma janela aberta para o mundo: mercadorias, pessoas, culturas e também doenças são recebidas por seus braços abertos, os Molhes da Barra. O medo desembarca no cais do Porto Velho e o pânico tomará as ruas naquele mês de outubro de 1918. E depois o silêncio da espera pelos próximos acontecimentos e a expectativa de sobrevivência quando ocorrer à contaminação pelo vírus de influenza.
Há 100 anos se viveu uma fronteira entre o medo e a sanidade, entre o pessimismo e a esperança. Impossível resgatar as vozes de todos os que estavam vivendo aquele momento seja na Cidade Antiga que viveu parte de sua vida dentro muros ou trincheiras, seja na Cidade Nova que ainda tinha um horizonte de crescimento. Resgatar estas vozes nos daria a dimensão do significado daqueles dias e das cicatrizes deixadas na memória dos anos que se seguiram. Mas a cidade sobreviveu, apesar das sequelas, evidenciando a grande capacidade humana em resistir e continuar repondo rotinas, hábitos, reproduções conscientes ou inconscientes, identidades de classe e cultura, referenciais públicos e privados, em suma, o cotidiano. Porém, a viagem no tempo passado através dos vestígios deixados, que é o estudo da História, nos permite fazer uma reflexão sobre como no presente enfrentaríamos uma epidemia nas dimensões que aquelas pessoas enfrentaram? Será que todo o desenvolvimento hospitalar, farmacológico e da medicina estaria disponível à população, nos propiciando um enfrentamento completamente diferente de 100 anos no passado?

Gripe e a força policial em Seattle, EUA, em 1918. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário