História e Historiografia do RS

quinta-feira, 5 de julho de 2018

RIO GRANDE EM 1913


     Uma publicação de referência é o livro do inglês Reginald Lloyd “Impressões do Brasil no século vinte: sua história, seu povo, comércio, indústrias e recursos” - Londres: Lloyds Greater Britain Publishing Company Ltd, 1913.
         No capítulo sobre o Rio Grande do Sul um dos destaques é a cidade do Rio Grande. O comércio de exportação e importação e o crescimento industrial estão interligados com o espaço portuário (do Porto Velho) em meio às expectativas pelo desenrolar das obras de construção do Porto Novo e dos Molhes da Barra.
A década de 1910 foi um período paradigmático da história local pela atração de mão-de-obra devido às edificações portuárias da Companhia Francesa e a produção industrial: a população em Rio Grande era de 29 mil habitantes em 1900 e aumentou para aproximadamente 40-45 mil em 1913.
         O livro de Lloyd é de cunho comercial e busca divulgar as rotas comerciais já em vigor e explicitar o possível potencial de desenvolvimento econômico das localidades. A venda de anúncios junto aos “capitalistas” (termo usado na época para os comerciantes com maiores recursos) interessados em ter a sua atividade divulgada e que garantia a publicação do livro. Ou seja, não é uma obra de análise histórica e sim uma fonte para o estudo da história econômica, das sociabilidades/vínculos dos comerciantes/industriais. Esta leitura é relevante para a análise dos atores e das representações criadas para justificar os seus negócios e sua identidade na sociedade.
         Lloyd também contextualiza a organização política local, a disponibilidade tecnológica (bondes, energia elétrica, fornecimento de água etc) e as materialidades do pertencimento local: espaços públicos da memória.
         Vejamos quais a impressões da cidade do Rio Grande em 1913:

Cenários urbanos: Praça Tamandaré, Câmara do Comércio e Porto Velho. Acervo: Lloyd, 1913.
        

“A cidade do Rio Grande do Sul, situada na extremidade meridional da Lagoa dos Patos e o Oceano, é o principal porto marítimo do Estado e o porto de passagem obrigatório para os navios que se dirigem a Pelotas e Porto Alegre. O Llhoyd Brasileiro e a Companhia Costeira mantém um serviço semanal entre este porto e o Rio de Janeiro, sendo que os navios da primeira dessas companhias transbordam os passageiros, neste porto, para navios menores, que os levam a Porto Alegre. Além destes navios, muitos outros, costeiros, fazem escala no Rio Grande. Alguns dos navios da Hamburg Amerika fazem também escala neste porto, conquanto o enorme banco de areia a entrada da barra tenha sido empecilho ao desenvolvimento do comércio marítimo estrangeiro. Atualmente, porém, estão os poderes públicos empenhados na abertura duma passagem cômoda através do banco, com 33 pés de profundidade e permitindo assim a entrada de grandes navios em qualquer época do ano.
O Município tem uma população total de 45.000 habitantes, dos quais 25.000 residem na cidade e subúrbios, ligados por linhas de tramways (bondes). Falando de modo geral, as ruas da cidade são estreitas, a antiga maneira dos Portugueses; estão, entretanto, bem calçadas e muito bem considera a mais bela em todo o Estado, é margeada de ótimos edifícios. Entre os mais importantes prédios notam-se a Intendência e o Quartel, o Correio, a Alfândega, a Beneficência Portuguesa e a Biblioteca Pública. Esta última contém cerca de 40.000 volumes e é provavelmente a melhor coleção que no Brasil se encontra para o Sul de São Paulo. As igrejas, escolas e institutos de caridade ocupam edifícios espaçosos e de boa arquitetura.
O progresso industrial da cidade tem sido muito notável durante estes últimos anos, salientando-se principalmente as fábricas de lãs que são das mais importantes do Brasil. O desenvolvimento da lavoura tem também merecido a atenção do Governo, e a Municipalidade fundou um Posto Zootécnico, por intermédio do qual podem os fazendeiros melhorar o seu gado. A estatística rural feita em 1911 mostrou existirem dentro dos limites do município, 10.093 cabeças de gado bovino, 105.552 carneiros e 60.762 porcos. A produção agrícola do município em 1910 foi de 73.020 sacos de milho, 711 sacos de feijão, cerca de 2.000.000 de tomates e 2.591.146 quilos de cebolas. O matadouro municipal está otimamente instalado, sendo a matança de gado fiscalizada com rigor.
Intendência Municipal.  Acervo: Lloyd, 1913.

À medida que passam os anos vai à cidade do Rio Grande recebendo melhoramentos constantes. Atualmente estão em via de execução as obras do porto e a extensão das linhas de tramways. Naturalmente, para que se empreendam melhoramentos, torna-se necessária a presença de homens de boa vontade e energia à testa dos negócios públicos; e no atual Intendente Tenente Coronel Trajano Augusto Lopes, tem o município um dirigente ao qual se podem atribuir muitos dos melhoramentos executados e que continua a esforçar-se pelo progresso material da cidade.
Alguns destaques:
Banco da Província do Rio Grande do Sul. Este importante estabelecimento possui na cidade do Rio Grande uma sucursal instalada em edifico apropriado e faz avultado número de transações.
Banco da Província. Belíssimo prédio que ficava na esquina da Marechal Floriano com Benjamin Constant.
Acervo: Lloyd, 1913.

London & Brazilian Bank, Limited. Considerável número de transações bancárias são efetuadas por intermédio deste banco, cuja sucursal no Rio Grande fica situada a rua Marechal Floriano Peixoto, 43.
Banco do Comércio de Porto Alegre. A sucursal na cidade de Rio Grande foi fundada em 1899 e faz transações bastante avultadas.
Compagnie Française du Port de Rio Grande do Sul. O contrato para a construção do porto do Rio Grande do Sul foi primitivamente dado ao engenheiro americano E. Corthel, a 12 de setembro de 1906. A 9 de julho de 1908, foi pelo Governo Federal transferido este contrato a Compagnie Française du port de Rio Grande. O capital desta empresa é constituído por 20 milhões de francos em ações ordinárias e 10 milhões de francos em ações preferenciais. A Companhia, devido à importância dos trabalhos a realizar, emitiu também uma série de obrigações, sendo que, devido a condições especiais do contrato, o juro e amortização desse empréstimo está garantido pelo poderoso grupo financeiro Sociéte Générale de Construction que é, ao mesmo tempo a principal empreiteira das obras: esta última, por sua vez, sub-empreitou os trabalhos a firma Enterprise Daydé et Pillé, Fougerolles Fréres et J. Groselier. Os trabalhos cuja responsabilidade por contrato assumiu a Compagnie du Port de Rio Grande, consistem em trabalhos na barra e trabalhos no porto propriamente dito. Os trabalhos a executar na barra consistem na construção de dois quebra-mares, revestimento dos bordos do Canal do Norte, de modo a terem eles estabilidade, e retenção, por meio de plantações de árvores, das areias, na costa leste do Canal do Norte. Os trabalhos a executar no porto consistem na dragagem dum canal de acesso entre o Canal do Norte e o porto, e dragagem do último; terraplanagem a noroeste e a este do porto, com material proveniente das dragagens; construção em alvenaria duma muralha a oeste do porto, de modo a aí poderem atracar navios do calado de 10 metros; aparelhamento deste cais com armazéns, linhas férreas, guindastes, etc; construção duma muralha a leste do canal de acesso, para proteger o porto contra a invasão das areias; outros trabalhos anexos, tais como balizagens, iluminação, abastecimento de água, calçamento do cais e anexos, construção de depósito frigorífico, depósito para inflamáveis, edifício para correio e telégrafo, doca fixa ou flutuante, conservação do canal da barra, etc. As obras vão já bem adiantadas e para a sua rápida execução dispõe a Companhia de instalações completas. A pedra é fornecida por duas pedreiras, Monte Bonito e Capão do Leão. Os processos empregados para a extração da pedra são dos mais modernos. Possui a Companhia, em torno de cada pedreira, verdadeiras vilas operárias, com uma população de 3.000 almas.
Obras da Companhia Francesa do Porto do Rio Grande. Construção dos Molhes.  Acervo: Lloyd, 1913.

Companhia de Conservas Rio-grandense. A fábrica Tullio, fundada pelo sr. Major Tullio Martins de Freitas, no ano de 1906, foi a 10 de agosto de 1911, transferida a Companhia de Conservas Rio-grandense, constituída na mesma data, com o capital de Rs600:000$000, dividido em 3.000 ações do valor nominal de Rs.200$000. Ocupando atualmente 112 pessoas, inclusive o pessoal dos seus escritórios, eleva, por ocasião das safras, ao dobro o seu pessoal operário. A sua exportação no ano de 1910 atingiu a Rs 800:000$000, inclusive as vendas efetuadas para o interior deste Estado. Além de muitas e variadas conservas de doces, carnes, peixes, etc, das quais tem presentemente um stock de cerca de Rs300:000$000, refina também banha de porco. A Companhia, independente do fabrico de conservas, possui também secções especiais para a completa confecção de todas as latas e caixas necessárias ao acondicionamento com máquinas movidas a vapor. O seu horário de trabalho é o seguinte: das 7 as 11ª.m. e meio dia as cinco p.m. O seu corpo administrativo compõe-se dos srs. Major Túlio Martins de Freitas e Afonso H. Faveret, diretores; e o seu Conselho Fiscal, do Banco da Província do Rio Grande do Sul, Banco do Comércio de Porto Alegre e o sr. Romeu José Andreassi.
Albino Cunha. O Moinho Rio-grandense foi fundado em 1894, pela Companhia Sul Brasil, sendo o sr. Albino Cunha um dos fundadores. A empresa ocupa-se exclusivamente da fabricação de farinha, de que produz 45 toneladas diariamente, em três qualidades. O trigo é importado da Argentina e descarregado em ponte própria, sendo transportado em vagonetes para o moinho. Entre a ponte e o estabelecimento, há uma pequena linha de trilhos, que muito facilita os trabalhos de carga e descarga. A sua marca de farinha Primor é muito conhecida e apreciada em todo o Estado do Rio Grande do Sul, onde tem uma enorme procura. A usina é montada com maquinismos de E. R. e F. Furrer, Ipswich, Inglaterra e compreende o que há de mais moderno em Roller Miller, etc;  e está aparelhada para produzir artigos de primeira ordem no seu gênero de indústria. O capital da empresa é de Rs 600:000$000. O edifico tem 4 andares, com vários depósitos para trigo e farinha, e incluindo o terreno onde fica situada, tem cerca de 100 metros quadrados. O número dos empregados é de 68. O sr. A.J. da Cunha nasceu em Portugal em 1850, vindo para o Rio Grande em 1864. Aí praticou o comércio em casas exportadoras e importadoras, fundando mais tarde o seu próspero estabelecimento; tem visitado a Europa por várias vezes. O sr. Cunha é também sócio comanditário da firma Cunha, Freitas & Cia, importadora de secos e molhados da Bahia, Pernambuco e Europa, que negocia em vinhos, açúcar, etc, vendendo esses gêneros por todo o Estado.
Vistas do centro da cidade e do Porto Velho (Santa Casa em primeiro plano).   Acervo: Lloyd, 1913.




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