História e Historiografia do RS

domingo, 6 de agosto de 2017

O KAISER EM RIO GRANDE

Em Rio Grande está localizado o único porto marítimo do Rio Grande do Sul. Como o comércio marítimo era no século 19 e persiste até a atualidade, como o principal meio de circulação de produtos entre os continentes, Rio Grande caracterizou-se, desde a década de 1830, em ser um espaço crescente da presença de comerciantes ligados à exportação e importação. Eram alemães, ingleses, franceses, portugueses e comerciantes de outras nacionalidades que exerciam atividades na cidade. A partir da industrialização na década de 1870, ampliou-se ainda mais esta presença de estrangeiros ou já naturalizados mas com o referencial familiar ou dos negócios em empresas internacionais.
O Balneário Vila Sequeira ou Cassino, enquanto um espaço de banhos criado em 1890  e voltado a saúde/lazer das elites do Rio Grande do Sul, se converteu em sua primeiro meio século de existência num multifacetado espaço onde as nacionalidades estavam expressas inclusive com hastemento de bandeiras. Em dois momentos críticos na Europa, que foram as duas grandes guerras mundiais, o conflito harmonioso levou as discussões ou confrontos entre veranistas do balneário do extremo sul do Brasil.
         Um destes momentos foi a I Guerra Mundial que foi declarada em 28 de julho de 1914 e teve seu encerramento em 11 de novembro de 1918. O conflito levou a morte de mais de 19 milhões de pessoas. Inicialmente, o Brasil se manteve neutro mas com o afundamento de navios brasileiros e a mobilização popular nacionalista nas ruas, o governo brasileiro declarou guerra contra a Alemanha e seus aliados em 26 de outubro de 1917. Foram apreendidos 44 navios alemães que passam a compor a frota nacional (representando 25% do total), o que evidencia a forte presença comercial alemã no Brasil. Um navio foi confiscado no Porto do Rio Grande: o Monte Penedo da operadora Hamburg Süd que passou a se chamar Sabará e posteriormente, em 1948, Ascânio Coelho. 
Os resultados da guerra foram catastróficos para a Alemanha e inclusive, para o Kaiser Guilherme II que abdicou do trono e foi exilado do país. O Brasil teve pouca participação militar no conflito mas pagou muito caro pelo envio de ajuda médica a área em litígio: importou desta região a Gripe Espanhola que fez dezenas de milhares de mortos no Brasil e infectou, somente no Rio de Janeiro, 600 mil pessoas.
A imprensa é uma fonte de pesquisa que contribui para a preservação documental dos conflitos no cotidiano. Um reflexo da guerra pode ser observado numa matéria escrita pelo colunista da Crônica Cassinense (cujo pseudônimo é Periscópio) do jornal Echo do Sul, publicada no dia 7 de fevereiro de 1918. É feita uma referência aos ‘súditos do kaiser’ que entoavam o hino alemão, num período em que a guerra já estava declarada. Em qual residência será que isto aconteceu?

“Chronica Casinense
         Tivemos uma nota dissonante no Cassino, na última semana. Os súditos do Kaiser ou os apaixonados pelo seu poderio militar ou ainda, os influenciados pelo seu patronato nefasto e incoerente, cantaram em sua casa, em pleno Cassino, o hino alemão!
         É uma audácia sem classificação e, sobretudo, uma injustificável irreflexão, pois não se compreende como dentro de um país em estado de guerra com outro, se possa cantar o hino deste último, sem a intenção imperdoável de ser uma provocação.
         Eles devem estar satisfeitos com o tratamento gentil que têm conseguido por parte do nosso governo e do povo do Brasil e, por isso mesmo, deveriam manter uma conduta mais respeitosa com aqueles que lhes tratam com amenidade e com uma certa bondade, talvez agora imerecidas.
         Os brasileiros que estão no Cassino não têm senão sido gentis para estes que agora lhes afrontam o patriotismo, não têm senão procurado amenizar o seu sofrimento moral de abandono dentro de um país que não é amigo no momento presente, deixando que vivam a vontade e de acordo com o seu temperamento: mas, agora, não foi possível suportar com calma esta indefensável atitude atrevida e, sobretudo, provocadora, dos alemães e seus comparsas aqui domiciliados.
         Mas, os retovados, esses que não são nem alemães nem têm outra nacionalidade definitivamente determinada, esses são os mais audaciosos e inventores desses fatos que tanto aborrecem e contrariam aqueles que cá vieram para o gozo calmo e quieto de uma estação alegre e cheia de prazeres.

         Andou muito bem quem, com a compreensão nítida do cumprimento do dever, comunicou às autoridades locais o que havia sucedido. Essa paixão profunda dos súditos do Kaiser pelo seu ambicioso e atrabiliario soberano, deve ser um termo dentro dos limites do bom senso e da conveniência deles próprios, porque, caso contrário, talvez o arrependimento já venha tarde demais para as más manifestações incontidas. Esta seção não é destinada a apreciações desta natureza; mas, desta vez, o repórter mundano não pode conter a sua contrariedade ante esse fato, que foi uma nota triste no momento em que todos os que aqui vivem se preocupavam, somente, com os prazeres da estação e da elegância”.

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