História e Historiografia do RS

sábado, 15 de julho de 2017

VILEGIATURA MARÍTIMA

“Assim como quatro quintas partes do corpo
humano são água, assim quatro quintas partes
da grande corpulência do globo são mar.
Parecendo separar os homens, o belo destino
eterno do mar é reuni-los”.
Ramalho Ortigão

O banho de mar no Rio Grande do Sul tem origem na inspiração européia dos balneários aristocráticos junto ao Mar Mediterrâneo. Entre a última década do século 19 e as primeiras do século 20, passa a se tornar um hábito que alcançaria proporções cada vez maiores até a atualidade. Joana Carolina Schossler na dissertação de Mestrado “As Nossas praias: os primórdios da vilegiatura marítima no Rio Grande do Sul, 1900 – 1950” (PPGHistória, PUCRS, 2010), analisa os primórdios e a popularização dos banhos de mar no litoral norte do Rio Grande do Sul. A autora enfatiza que a pratica do banho e sua sociabilidade estavam organizadas em torno da doença. O banho não era uma aventura marginal ou uma cerimônia de ostentação. Ele entreviu um método curativo ou preventivo, definindo uma linguagem comum às múltiplas prescrições. Ainda assim, a medicina dos banhos de mar estabeleceu regras e teorias, formando um órgão decisivo na vigilância e ritualização de algo que se tornou moda.
A dissertação tratou da mudança que se operou no imaginário social dos gaúchos em relação ao litoral. Pois, de uma série de atributos desabonadores (inóspito, árido, desértico), esse “território do vazio” passou a ter uma representação positiva, com a emergência da sociedade urbano-industrial. Assim, no decorrer do século XX, o litoral acabou sendo integrado ao imaginário dos gaúchos com novos significados. Entre a população urbana do interior do Rio Grande do Sul, a praia de mar passou a ser um espaço de lazer e entretenimento desde as primeiras décadas do século XX. Mas ela também se tornou um espaço social onde, inicialmente, uma elite interiorana renovava ou ampliava seus laços de sociabilidade, seu prestígio e seu poder. Primeiramente burguesa, a nova percepção do litoral do Rio Grande do Sul acabou se popularizando ao longo das décadas, pois entre os códigos da elite e os populares, se opera insidiosa circulação de práticas.
         Vou fazer um recorte na dissertação e transcrever os parágrafos dedicados ao atual Balneário Cassino.

Para Joana Carolina Schossler “é importante salientar que no final do século XIX, a parte sul do litoral gaúcho, também ganhou investimentos significativos de imigrantes que almejavam promover hábitos europeus. Reunidos sob o projeto da empresa Carris Urbanos, a estação balnear de Villa Sequeira, em Rio Grande, envolvia imigrantes ingleses, comerciantes portugueses e industriais alemães. Sem tardar, a companhia Carris divulgou na imprensa que faria um balneário nos moldes de Pocitos, em Montevidéu. Interessante notar que houve uma especulação de locais para edificação do balneário, chegando a ser levantando o nome das primeiras praias balneares do litoral norte, Cidreira e Tramandaí. Porém, devido à condição econômica favorável de Rio Grande, a praia da Mangueira foi a eleita. Importante destacar que, ao contrário das praias do litoral norte, Rio Grande possuía linhas férreas, um benefício, que assim como nas praias francesas de Dieppe e Biarritz, facilitava a viagem e aumentava o número de vilegiaturistas às praias. Além disso, Antônio Cândido Siqueira, sócio-fundador da empresa Carris Urbanos, obtinha conhecimento do sucesso dos balneários europeus Dieppe, Trouville e Biarritz, o que o incentivou a prolongar a linha férrea até o oceano. O Balneário Villa Sequeira foi inaugurado em 26 de janeiro de 1890, e logo foi sendo habitado com a construção de chalés luxuosos, hotel que oferecia concertos, jogos e restaurante. O balneário possuía casas de banho para troca de roupas, semelhante a das praias européias ou de Buenos Aires e Montevidéu. A companhia Carris também importou dos Estados Unidos um ‘cata-vento’ que aproveitava a energia eólica para captação de água do lençol freático. A construção de um balneário com estrutura nos moldes europeus aproximou a vilegiatura marítima em Rio Grande de uma vilegiatura aristocrática européia. Pois no litoral norte, por mais que se possuíssem alguns aspectos naturais e o desejo de se assemelhar a um balneário de estilo europeu, não há referências de que se tenha planejado um balneário com a mesma amplitude que foi Villa Sequeira. Esses fatores permitem afirmar que o modelo de vilegiatura marítima no litoral norte foi mais burguês, mais democrático e urbano, pois seus empreendedores, em sua maioria, foram famílias imigrantes com um pequeno capital investidor. Já em Rio Grande, o investimento para a criação do balneário partiu de uma empresa, a Companhia Carris. Esta, ao se dar conta do crescimento do fluxo de passageiros, investiu, com auspícios de imigrantes, na criação do balneário que atendia diretamente a uma ‘aristocracia’ luso-brasileira da região tradicional da campanha e a uma burguesia provinda de uma variada imigração, principalmente de Pelotas e Rio Grande Conforme Rebecca Enke, o poder aquisitivo da elite se fazia distinguir nos hábitos, que se diferenciam nos trajes importados utilizados nas atividades a beira-mar. O luxo da vestimenta foi notado pelas colunas jornalísticas da época, e os registros fotográficos também representam a ostentação da época.  Ainda é pertinente observar que a companhia empreendedora de Villa Sequeira criou um guia para banhistas, semelhante ao do escritor português Ramalho Ortigão. Já no litoral norte, ao que consta até então, não existiu um informativo neste modelo até as primeiras duas décadas do século XX. Tanto na parte sul quanto na parte norte do litoral gaúcho, a frequentação da costa balneária foi emoldurada, inicialmente, pela prática dos banhos medicinais. No entanto, ao longo da primeira metade do século XX, as praias do litoral norte passaram por modificações materiais, adequando sua infra-estrutura às necessidades dos banhistas, como almejava a modernidade”.

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